O ensino da música em risco

1. Ontem, o encerramento do Festival Proms da BBC, o maior e mais popular festival de música clássica do mundo, foi notícia na TSF, por duas razões.

Primeiro, porque a orquestra da BBC foi pela primeira vez dirigida por uma mulher, Marin Alsop. Depois porque, no final do concerto, a maestrina apelou ao ensino da música como forma de combate às desigualdades num mundo cheio de contrastes. Defendeu que “as desigualdades quer sejam de género, económicas ou raciais, devem ser combatidas com o poder da música para trazer ao de cima aquilo que de melhor a Humanidade tem para oferecer”.

Pela mesma altura, ficámos a saber que, em Portugal, um dos países mais desiguais do mundo desenvolvido, o atual Governo de coligação PSD/CDS decidiu desmantelar o ensino da música.

2. São cerca de uma centena as escolas privadas que prestam o serviço público de ensinar música às nossas crianças e jovens, fazendo um esforço crescente para trabalhar com as escolas públicas, atrair alunos e dar oportunidades a jovens que, sem esse esforço, não teriam qualquer oportunidade de formação musical. No ano lectivo passado, a maior parte dessas escolas apenas viram regularizados os pagamentos devidos pelo Ministério da Educação e da Ciência (MEC) em Março, sete meses após o início das aulas. Este ano, os prazos são igualmente absurdos: o concurso para o ano lectivo 2015/16 abriu de 30 de Julho a 8 de Agosto, tendo tido a administração todo o ano para preparar um edital e as escolas oito dias para se candidatar. Os resultados definitivos já só serão conhecidos, eventualmente, lá para Outubro ou Novembro.

3. Mais grave é que as escolas, confiando no MEC, prepararam o novo ano presumindo, porque nada lhes foi dito em contrário, que os montantes de financiamento e o número de alunos se mantinham em valores semelhantes aos dos últimos anos. Porém, tal não aconteceu. Há escolas que tiveram cortes de 40% no financiamento, estando agora impossibilitadas de funcionar, não sabendo o que responder às famílias dos alunos que fizeram exames de acesso ou de transição de ano, nem o que dizer aos professores que contrataram para assegurar o serviço lectivo, planeado desde Julho.

4. As escolas não compreendem os critérios que presidiram às decisões do MEC. A situação é particularmente crítica em Lisboa e Vale do Tejo. Numa região que tem cerca de 26 escolas de música (30% do total nacional) e quase três milhões de habitantes (25% da população residente), o MEC decidiu que financiava apenas 12% dos alunos de música. Escolas de referência na cidade de Lisboa, como a Academia Musical dos Amigos das Crianças, a escola Nossa Senhora do Cabo, a Academia de Música de Lisboa – Os Violinos, a Academia de Santa Cecília, a Academia de Amadores de Música e muitas outras, em Setúbal, em Sintra e em Almada, estão hoje numa situação dramática, não sabendo o que fazer a uma parte significativa dos seus alunos.

5. Há, no entanto, uma coisa que se percebe. Os cortes de financiamento incidem sobre a entrada de novos alunos, seja nos cursos de iniciação, seja nos primeiros anos do ensino articulado. Se esta situação não for invertida, significa que nos próximos anos apenas serão apoiados pelo MEC os alunos que já estão a frequentar cursos de música. Não havendo novas entradas e apoio a novas turmas de substituição dos alunos que vão terminando, será o regresso aos tempos em que o ensino da música apenas estava disponível para os jovens cujas famílias tinham mais recursos. Acabará o esforço que vinha a ser feito pelas escolas de música, mesmo sendo privadas, de prestar o serviço público de alargar a mais jovens a oportunidade de aprender música.

O que se passa com a gestão da rede e dos apoios ao ensino da música é um exemplo do estilo de governação da coligação: uma mistura de incompetência e de desprezo pelas instituições e pelos cidadãos, com a ausência de visão sobre a importância que têm, para o futuro do país, matérias como a do ensino da música.

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