O dia da culpa

Os filhos são uns ingratos. Nunca hão-de pagar o que devem.

Num domingo de sol todos os restaurantes estão cheios de filhos e de mães. Há mães que sorriem e são maternais, recebendo bem os carinhos e as recomendações de ir para os filetes.

Mas outras há, mais interessantes, que se revoltam pelo facto de terem sido convidadas só por ser Dia da Mãe. Vê-se logo que muitas nem sequer queriam vir e só lá estão por magnanimidade, para evitar cenas.

Rabujam e respondem torto. As mais tortas adoptam a táctica do silêncio. Outras empregam habilmente a técnica da demência selectiva. Por exemplo: só respondem às perguntas cuja resposta possa ser "não".

"O que é que a mãe acha da praia?" Silêncio. "A mãe gostava muito de vir aqui comer com o pai?" Resposta imediata: "Eu não". "Mas vinha cá muito!", protesta amavelmente o filho, E ela: "Não". "Nunca cá veio? É a primeira vez?", insiste o filho, já triunfantemente irritado. A mãe olha para ele com aquele olhar que diz "como pude ser eu a trazer para o mundo tamanha besta?" e responde "Não".

É o contrário do que acontece no dia de São Valentim. Aí, ai de quem se esquece. No Dia da Mãe quanto maior a lembrança, maior a vingança. Na atmosfera pesa a pergunta oprimente: "E os outros 364 dias do ano, são dias de quê?"

Nunca está escondida a contraproposta: "Olha o que seria de ti, depois do dia em que nasceste, se eu só tratasse de ti no Dia do Filho, uma vez por ano?"

É por isso que não há Dia do Filho. Não merecem. São uns ingratos. Nunca hão-de pagar o que devem.

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