O desespero na Escola Pública

A Escola Pública vive uma tensão absolutamente desesperante em torno de uma realidade que nos surge sempre pior que cada um dos nossos maiores pesadelos.

Esta realidade, que Daniel Sampaio tem vindo a retratar nas suas crónicas nas páginas do PÚBLICO, mostra-nos uma Escola Pública que é, hoje, um espaço social com dificuldade em responder à sua missão, fundamentalmente, porque não consegue concretizar duas dimensões, distintas, mas essenciais, na instituição Escola: educar e ensinar.

Por economia de tempo e de linguagem vamos assumir a palavra Educação no seu sentido mais popular, na área daquelas coisas que nunca podem passar de moda: estar calado quando a função é ouvir, deixar passar as meninas primeiro, respeitar a experiência de quem leva mais tempo de caminho, o chapéu que fica fora da cabeça, o telemóvel que fica em casa ou desligado na mochila…

Acontece que a Escola não está a conseguir responder a esta exigência social, tal como está a encontrar muitas dificuldades para responder a muitas outras solicitações: se há acidentes nas ruas, a culpa é da falta de formação rodoviária; se a gravidez na adolescência aumenta, a responsabilidade é da escola e da ausência de educação sexual; se nos estádios o racismo cresce, foi a escola que se esqueceu de tratar a questão. A Escola parece, assim, ser útil apenas para duas coisas: para tudo e para nada!

A Escola e os seus agentes não estão a conseguir compensar a ausência comunitária e coletiva na formação dos nossos jovens. Seja porque as mães trabalham fora de casa, seja porque os avós estão obrigados a continuar no mercado de trabalho até mais tarde ou até porque outras organizações coletivas deixaram de estar presentes. A verdade é que uma parte fundamental da nossa formação enquanto elementos de uma comunidade desapareceu e a Escola não consegue lidar de forma satisfatória com isso.

Esta é uma das razões do desespero que vai marcando o ritmo nas nossas escolas, dificuldades essas que se cruzam com uma crescente dificuldade parental em assumir verdadeiramente a capacidade de dizer não. São inúmeros os relatos de docentes agredidos ou maltratados por pais que não aceitam o simples e natural exercício da prática docente.

Neste contexto, onde as condições de ensinar se tornam instáveis, são as aprendizagens que se ressentem. Quando as questões fundamentais e basilares da Escola, enquanto espaço social e institucional, não estão garantidas, não é possível acreditar que seja possível aprender. Sem um espaço de Educação bem cimentado, não há aprendizagem. Ou, escrito de forma simplista, numa sala de aula onde mandar calar e obrigar a sentar são as atividades centrais, não há processos de ensino e/ou de aprendizagem que resistam. Aliás, este é o motivo central que leva ao falhanço dos cursos vocacionais.

E Nuno Crato tem sido um catalisador competente deste processo gradual de desespero institucional. Se, por um lado, continuou e aprofundou algumas das piores iniciativas da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, a verdade é que também se tornou, ao contrário da sua antecessora, promotor de uma Escola Pública redutora e encostada a um canto, onde só alguns terão lugar.

Nuno Crato reduziu o currículo e tirou aos alunos instrumentos de apoio fundamentais. Cortou horas na Educação Especial, o que leva a que boa parte dos alunos com essa necessidade tenha apenas uma hora de apoio por semana. Reduziu os apoios ao Ensino Artístico, tornando-o algo acessível a muito poucos. Para Nuno Crato, Escola Pública é sinónimo de menos Escola.

Mas, cruzando o desinvestimento do Ministério da Educação e Ciência na Escola Pública com as questões da indisciplina acima referidas, surge uma outra questão crucial para a segurança dos alunos: a falta de assistentes operacionais (funcionários ou auxiliares) nas escolas. As escolas estão hoje a braços com um estado de urgência total, onde os intervalos se transformaram em espaços onde a violência é um parceiro frequente. Há hoje escolas que não conseguem manter a higiene dos espaços, tal como não tem sido possível assegurar serviços fundamentais como o bufete, a papelaria ou a reprografia.

Curiosamente, ou talvez não, apesar de todos os cortes anunciados na Escola Pública (370 milhões), o dinheiro disponível para o Ensino Privado vai aumentar (dois milhões) o que revela uma aposta ideológica muito clara – para Nuno Crato, o serviço público de Educação pode ser garantido pelo deus Mercado.

Só que não pode Senhor Ministro!

Não pode, porque não é competente para o fazer. Parte dos colégios existentes escolhe os seus alunos e, com essa seleção, opta por umas famílias em detrimento de outras. Sabemos, pela investigação em educação hoje disponível, que o contexto familiar (e estou a pensar no núcleo familiar mais próximo) é o fator mais decisivo para o sucesso escolar de um aluno. Ora, a possibilidade (que nunca existirá!) de os meninos do Bairro do Lagarteiro entrarem no Colégio do Rosário iria colocar ao último um conjunto de desafios que, manifestamente, a sua experiência educativa não é competente para responder.

A Escola Pública tem um histórico que a torna capaz de o fazer, mas para que isso aconteça não pode ser apenas a Escola de alguns. É na sua diversidade que está a solução e o segredo do seu sucesso.

Mas, se a ideia for mesmo a implementação do cheque-ensino e a liberdade total de escolha, então que se permita o sorteio: todos os alunos entrariam numa base de dados, escolhiam as escolas (públicas ou privadas) para onde querem ir e depois, uma entidade independente, realizaria um sorteio puro distribuindo os alunos, de forma indiferenciada, pelos Colégios e pelas Escolas Públicas, sempre que a oferta fosse superior à procura. Será esta uma proposta que desespera o Ensino Privado?

Desespero. Letras juntas sob a forma de uma palavra que pintam de preto a Escola Pública. Mas, a Escola Pública não é dele, não é deles. É nossa e só ela garante o nosso Futuro! Por isso, parece-me que vale a pena pegar nos lápis e nos marcadores e agir para pintar a Escola Pública de muitas cores. Para ser possível educar, ensinar e, acima de tudo, aprender!

O autor é professor de Matemática e dirigente do Sindicato dos Professores do Norte. João Paulo Silva escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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