O assédio moral e o mundo do trabalho

A Joana apontara uma tesoura à Berta. O que fazer?

A Joana foi despedida. Provou-se no processo disciplinar que, por vezes, mascava pastilha elástica na loja, para o que era chamada a atenção tanto pela Berta, sua superior hierárquica directa, como por outras encarregadas. Também se provou que uma vez disse a uma colega de trabalho: “Ó Sara, quem é que eu tenho de foder para me arranjarem umas caixas daquelas?”. Num outro dia, a Joana, depois de sair do local de trabalho, disse, referindo-se à Berta: “A minha vontade é pôr uma bomba e rebentar tudo com ela cá dentro”.

Mais se provou que, um certo dia, perante a exigência da Berta para que a Joana dissesse tudo o que sentia acerca dela e após ambas se exaltarem, a Joana lhe disse: “No dia em que morreres eu vou de vermelho ao teu funeral”; num outro dia, a Joana, face às críticas que lhe foram dirigidas pela Berta, disse: “Em 30 anos de vida, nem a minha mãe me tratou como tu me tratas. Só me apetece matar-te”. Ainda se provou no processo disciplinar que a Joana, um dia, muito nervosa, a chorar e furiosa, tinha dito que as colegas não faziam nada, acrescentando: “A minha vontade é a de pegar numa metralhadora e matar todas”. O último dos comportamentos da Joana que justificaram, para a entidade patronal, o seu despedimento foi o facto de, no armazém da loja, exaltada e enervada, ter apontado uma tesoura à Berta.

A Joana recorreu ao tribunal alegando que o seu despedimento era ilegal, pelo que devia ser reintegrada ou receber a indemnização prevista na lei. Mais alegava que tinha sido ao longo de meses vítima de assédio moral, pelo que devia ser indemnizada no valor de € 10.000.

Em tribunal, para além de se terem provado todos os comportamentos da Joana acima referidos, provou-se que, quando esta regressara ao trabalho após um período prolongado de parto e licença de maternidade, se vira confrontada com as alterações na organização de trabalho introduzidas pela Berta que, ante as suas dificuldades no cumprimento das novas funções que lhe eram incumbidas, lhe começou a dirigir expressões como: “És burra”; “come palha”; “Só estás aqui porque de certeza mais ninguém te queria”; “O que é que aprendeste em oito anos de casa? Não sabes fazer nada”; “Não vales nada”, “Não tens onde cair morta”, “Trata-te”, “Eu sou a hierarquia e tu és o povo”; “Eu mando e tu fazes”.

Esta atitude hostil da Berta para com a Joana tinha-se tornado cada vez mais frequente e ocorrera durante vários meses; quando a Joana tinha dúvidas que expunha à Berta, esta ou a ignorava voltando-lhe costas ou respondia: “São perguntas estúpidas”. Depois, a Berta colocara a Joana num armazém a trabalhar sozinha e nas reuniões com esta proferia expressões contra a Joana tais como “és burra” ou “come palha”, o que fazia que a Joana saísse a chorar dessas reuniões. Em muitas ocasiões, a Joana não conseguia manter a calma, sentia grande tensão emocional, desgaste físico e psicológico e respondia agressivamente. Ficou igualmente provado que a Joana ficara abalada e a sofrer de depressão, tendo tido acompanhamento médico.

Estes são os factos essenciais que ficaram provados em tribunal. E, perante os mesmos, tinha o tribunal que decidir se o despedimento fora feito com justa causa e se a Joana tinha sido vítima de assédio moral e tinha direito à indemnização que reclamava.

A questão não foi simples, como se pode constatar pela saga judicial vivida pela Joana: o tribunal de 1.ª instância considerou o despedimento ilícito e condenou a entidade patronal a pagar à Joana uma indemnização em substituição da reintegração, no valor de € 7.916,45, bem como as retribuições que aquela deixara de receber desde a data do despedimento; mais condenou a entidade patronal a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos não-patrimoniais decorrentes de assédio moral, a quantia de € 10.000,00.

Recorreu a entidade patronal para o Tribunal da Relação de Coimbra, que revogou a decisão do tribunal de 1.ª instância, julgou lícito o despedimento e absolveu a entidade patronal de todos os pedidos. Recorreu, então, a Joana para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que, no passado dia 12, pelas teclas dos juízes conselheiros Mário Belo Morgado, Pinto Hespanhol e Fernandes da Silva, fez justiça.

Em primeiro lugar, considerou que tinha havido da parte da Berta comportamentos que, para além de atentatórios da dignidade da Joana, tinham criado intencionalmente um ambiente intimidativo, hostil e desestabilizador – assédio moral –, o que lhe provocara múltiplos danos, físicos e psicológicos, pelo que era justo ser indemnizada nos € 10.000 que pedira. Quanto ao despedimento, considerou o STJ ser o mesmo ilícito, já que os comportamento mais gravosos da Joana tinham resultado da inaceitável actuação da Berta, o que “fortemente mitigava a sua culpa”.

E assim – espera-se – a Berta terá aprendido que nem sempre o mais forte é quem vence.

Advogado, ftmota@netcabo.pt

 

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