O álcool e a reprodução cultural

Talvez seja a altura de encarar a necessidade de campanhas de prevenção alcoólica, que se cruzem com o meio escolar e que articulem as várias entidades com jurisdição na matéria.

O balanço da lei que há um ano e meio proibiu a venda de álcool a menores de 18 anos não é surpreendente. Nesse período, o número de adolescentes identificados pela Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica a ingerir álcool no espaço público não ultrapassou as duas centenas. Mas não custa a acreditar que estamos perante uma ínfima amostra do consumo público na adolescência, como se depreende do trabalho que publicamos nesta edição. O cenário é fácil de descrever e de perceber.

O legislador ficou de consciência tranquila ao proibir a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, a sociedade aplaudiu e continuou apaticamente apaziguada, e as entidades a quem compete fiscalizar a lei queixam-se da falta de recursos (e de articulação) para a fazer cumprir. O costume.

Numa sociedade na qual a ingestão de álcool está fortemente enraizada, e é alvo até de uma considerável tolerância, por comparação com outras substâncias, a abolição do seu consumo entre os mais novos não se obtém nem por decreto, nem por moralismo. O álcool é transversal e transgeracional. Estamos todos de acordo na defesa de que esta legislação merece um cumprimento mais eficaz; que um reforço fiscalizador será, ao mesmo tempo, preventivo de padrões de consumo mais imoderados e penalizador da venda ilegal a menores. Mas num país onde a lei da gravidade é a mais respeitada, a solução também não consiste em colocar um fiscalizador ou um polícia em cada esquina ou em cada escola do país.

As campanhas contra a sua ingestão imoderada têm sido concentradas — e bem — na sua associação à sinistralidade rodoviária, obscenamente elevada em determinadas épocas do ano. Talvez seja a altura de encarar a necessidade de campanhas de prevenção alcoólica, que se cruzem com o meio escolar e que articulem as várias entidades com jurisdição na matéria, junto de uma população, que olha a sua utilização como algo cultural, como refere Luís Almeida Santos, director das urgências pediátricas do Hospital de São João. Os menores convivem com uma complacência social com o álcool, que reproduzem com naturalidade em rituais iniciáticos e festivos, mas apresentam hoje novos padrões de consumo, que importa conhecer e prevenir. Não só pela alteração do tipo de álcool ingerido, com maior destaque para as bebidas brancas, mas, sobretudo, pelos contextos mais problemáticos e imprevistos do binge drinking e do policonsumo de substâncias. 

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