O admirável mundo das greves no metro

A frequência com que os trabalhadores do sector dos transportes públicos fazem greves tem qualquer coisa de extraordinário. Basta uma breve visita à página de Internet da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) para chegarmos ao admirável mundo das greves. Por exemplo, na agenda desta semana da Fectrans, de segunda a sexta, em todos os dias estão marcadas greves na CP e na Carris ao trabalho extraordinário. Na terça-feira houve ainda a greve no metro de Lisboa e ontem estava agendada uma concentração de activistas do sector ferroviário e uma manifestação nacional de ferroviários. Para hoje estava prevista uma outra greve no metro de Lisboa que entretanto foi desmarcada. Só que, no mesmo dia em que o sindicato do Metropolitano desmarca a greve, agenda mais duas para 16 e 18 de Março.

Convém sempre começar pela sacrossanta frase do “não está aqui em causa o direito à greve”. Mas a verdade é que no sector dos transportes estamos a assistir ao que parece ser uma banalização deste direito previsto na Constituição. E esse direito, além de colidir com outros igualmente fundamentais, não nos deve inibir de perguntar, e tentar responder: quem é que ganha com tantas greves? Os trabalhadores? Os sindicatos? As empresas? E as reivindicações são justas tendo em conta aquilo que se passa (e se paga) nas restantes empresas públicas?

Sempre que o metro de Lisboa faz greve os seus 500 mil utentes e os restantes moradores da cidade ficam com o dia virado do avesso. São longas caminhadas, são filas intermináveis de trânsito, é o dinheiro que se gasta nos táxis, nos parquímetros, é o chegar atrasado ao trabalho, etc… Aliás, o Tribunal Arbitral, quando decretou a obrigatoriedade da realização de serviços mínimos para esta sexta-feira, chama a atenção para a colisão do direito da greve nos transportes com outro direito fundamental, também ele reconhecido na Constituição: “As necessidades sociais impreteríveis”. E a lei reconhece a actividade de transporte ferroviário de passageiros como uma “necessidade social impreterível”. Escreve o Tribunal que quando o metro pára estão está em causa a “liberdade de circulação das pessoas, tanto considerando o direito de circulação em si mesmo, como relacionando tal direito com o direito à saúde, o direito à educação ou o direito ao trabalho em sentido amplo (já que o exercício destes direitos depende da possibilidade de acesso a um determinado local)”.

Isto quer dizer que um direito fundamental que é a greve não deve ser banalizado para não violentar outros direitos dos cidadãos igualmente fundamentais. O relatório e contas da Metro relativo a 2013 (o último disponível) refere que nesse ano houve 14 pré-avisos de greve (sendo que duas foram desconvocadas), o que correspondeu a 30,405 mil horas não trabalhadas por motivo de greve. Em 2014 (dados ainda não oficiais) terão também sido 14 as greves e este ano já se viu que vamos bem encarrilados para chegar a esse número.

Os utentes não são os únicos prejudicados. Quem faz greve também perde um dia de salário. E mesmo aqueles que recebem o salário desse dia de greve através dos sindicatos têm de descontar previamente para um fundo de greve. Com certeza que o objectivo da greve é (ou deveria ser) que os trabalhadores tenham ganhos a prazo; mas a verdade é que as revindicações dos sindicatos já se tornaram tão difusas e tão banais que perdem a eficácia nas negociações. Já só servem para os sindicalistas mostrarem serviço.

Quem se der ao trabalho de ler os avisos e pré-avisos de greve da Metro de Lisboa no site Fectrans percebe que as revindicações vão variando de semana para semana e englobam quase tudo: Defesa dos postos de trabalho; organização do trabalho, “péssimas” condições de trabalho; cumprimento do Acordo de Empresa; defesa do serviço público; horários, folgas, férias, tempo extraordinário não pago, supressão de postos de trabalho, segurança; reposição dos complementos de reforma; aumento “brutal dos preços”, redução da frequência de comboios, aumento do tempo de espera; fim dos “roubos” nos salários e nas reformas; luta contra a subconcessão (privatização), etc…

Qual é o incentivo dos patrões para aceitar essas reivindicações? Pouco ou nenhum. Basta olhar para o relatório e contas da Metro de Lisboa e fazer umas contas de merceeiro: a Metro gasta por ano 46 milhões de euros a remunerar os seus 1490 trabalhadores. O que quer dizer que por cada dia de greve poupa qualquer coisa como 110 mil euros em salários. O reverso da medalha é que com as portas fechadas a Metro não vende bilhetes. Contudo, a verdade é que a grande parte das receitas da empresa é rígida: 44 milhões de indemnização compensatória e 38 milhões de receita com a venda de passes (que o utente paga quer haja greve ou não). Assim sobram 37 milhões de euros de receitas com a venda de títulos ocasionais, o que significa que por cada dia de greve a Metro deixa de facturar 104 mil euros.

Resumindo, num dia de greve a empresa poupa 110 mil euros em salários (sem contabilizar as poupanças com electricidade e noutras despesas de funcionamento) e deixa de facturar 104 mil euros. Não há portanto grande incentivo para que a administração faça alguma coisa para que o utente não fique apeado à porta da estação. É perverso que fazer greve possa beneficiar os patrões e prejudicar apenas os utentes. O Governo aprovou ontem o lançamento dos processos de subconcessão da Metro de Lisboa e da Carris a privados. Pode ser que alguma coisa mude.

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