Nunca tantos idosos perderam complemento solidário como em Junho

Dirigentes de associações acusam Governo de “insensibilidade social”, de “ataque” aos mais frágeis e falam em “retrocesso social”. Ministério justifica, dizendo que aumentou pensões mínimas.

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Todos os dias são sinalizados dez idosos em situação de isolamento
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A grande maioria dos beneficiários do CSI são mulheres Daniel Rocha

Desde que o Complemento Solidário para Idosos (CSI) existe, há oito anos, que nunca tinha havido uma queda tão significativa no número de beneficiários. Em relação a Junho do ano passado, 52 mil idosos perderam esta prestação que se destina a pessoas de 66 ou mais anos com rendimentos inferiores ao limiar de pobreza, 409 euros mensais. Entre Maio e Junho, 14.650 idosos ficaram sem esta ajuda.

Embora indignado com os dados divulgados na quarta-feira à noite no site da Segurança Social, o presidente da Confederação Nacional de Reformados, Pensionistas e Idosos, Casimiro Menezes, não se espanta: “Temos vindo a assistir ao longo desta governação a uma redução nas prestações sociais, em contraste com a situação de pobreza que vivemos em Portugal. As instituições que lidam com a pobreza estão cada vez com mais necessidades. Como se explica que se diminuam os apoios aos mais necessitados?”, questiona o dirigente que acusa o Governo de “insensibilidade social e de condenar à pobreza muitos destes portugueses”.

Uma das razões apontada por Casimiro Menezes passa pelo aumento da idade a partir da qual se pode beneficiar desta prestação — se antes era 65 anos, desde Janeiro de 2014, que são só aceites novos requerimentos apresentados por quem tem pelo menos 66.

Há um valor de referência para este complemento. Actualmente, quem pretende receber não pode ter rendimentos superiores a 4909 euros anuais. Embora já tenha sido mais elevado — o que, numa leitura mais alargada, poderá explicar a tendência de quebra que se começou a sentir desde 2012 — esse montante manteve-se em 2013 e 2014.

Em resposta ao PÚBLICO, o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social justifica que a quebra no número de beneficiários poderá ser explicada pelo aumento das pensões mínimas: “A condição de recursos existe desde sempre na prestação do CSI, assim previsto desde 2006. Este Governo não introduziu quaisquer alterações na condição de recursos. Foi aliás este Governo que aumentou as pensões mínimas em 5,3%, [pensões essas de pessoas] que tinham visto os seus rendimentos congelados no passado e que parte são beneficiários deste complemento, podendo daí resultar também alguma alteração.”

“Mais pobreza”
Para Casimiro Menezes, porém, a redução do número de beneficiários significa “mais pobreza, mais miséria, mais fome”: “É um retrocesso social. Ao mesmo tempo que faz isto, o Governo incentiva a sopa dos pobres, promove mais a caridade do que o respeito pela dignidade e direitos dos idosos”, acrescenta. José Augusto Oliveira, da comissão executiva da CGTP, concorda: “É uma ofensiva contra os direitos sociais que tende a agravar-se. Continuam a ir à algibeira de quem menos tem e não pode.”

A presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, Maria do Rosário Gama, considera “vergonhoso o que está a acontecer”, até porque, neste caso, as pessoas afectadas, devido à “idade avançada”, manifestam-se menos. “O Governo aumenta a austeridade e diminui as prestações sociais. Diminui todos os benefícios do Estado Social, ataca o Estado Social em todas as vertentes, na Educação, na Saúde, e na Segurança Social. Os mais afectados são sempre as pessoas mais frágeis, com condições muito precárias”, sublinha.

Maria do Rosário Gama explica que, “em muitos casos”, “os idosos usavam o complemento para medicação”. Casimiro Menezes concorda que esta costuma ser a prioridade, seguida da alimentação.

“As pessoas vão ter cada vez menos possibilidade de conjugar alimentos e medicamentos, não conseguem sobreviver com as pensões que têm. 4909 euros por ano é uma coisa absolutamente incrível. As pessoas que fazem as leis não fazem ideia do que é viver com isto por ano”, exclama Maria do Rosário Gama.

Os dados divulgados mostram que o número de beneficiários de CSI baixou de 225.715 em Junho de 2013 para 173.450 em Junho deste ano.

Uma análise mais alargada no tempo permite perceber que ao longo dos anos foi havendo variações, com aumentos e períodos mais estáveis, mas desde Setembro de 2013 a descida tem sido constante. Nunca tinha havido, contudo, uma quebra mensal tão acentuada: entre Maio e Junho a descida foi de 188.100 beneficiários para 173.450.

A grande maioria dos beneficiários do CSI são mulheres (120.409). O Porto é o distrito que concentra o maior número (27.342), seguido de Lisboa (24.752) e Braga (13.393).

O CSI é um apoio em dinheiro pago mensalmente aos idosos com rendimentos inferiores ao limiar de pobreza. Se forem casados ou viverem em união de facto há mais de dois anos, os idosos têm de ter rendimentos inferiores a 8590,75 euros anuais (4909 se for só uma pessoa). Entre outras condições, tem-se em conta os rendimentos dos filhos (a partir de certos escalões), mesmo que não vivam com o idoso — se os filhos estiverem no 1.º escalão os seus rendimentos não contam.

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