Nunca mais comerei daqueles figos

Por mais que eu desejasse ser ecologicamente correcto, preservar aqueles cinco figos, bem como a minha integridade física eram a prioridade.

Tenho a certeza de que a matei. Fenecerá aos poucos, primeiro murchando as folhas, depois caindo os frutos e finalmente secando o caule. E quando se consumar o óbito, será o fim da figueira que tínhamos plantado num pequeno vaso na varanda. Tudo por causa de um insecticida e da pane cerebral que me fez utilizá-lo em desespero de causa.

A figueira é um item de estimação no nosso microcosmo florestal, ao lado de uma grande buganvília, três ficus, dois arbustos de que desconheço o nome, uma orquídea, quatro gerânios e alguns cactos. Fruto das condições em que cresceu, sofre de algum raquitismo vegetal. Do único tronco, fino como um graveto, saem poucas ramificações.

Ainda assim dá frutos. A colheita este ano tinha tudo para chegar aos cinco figos, um recorde histórico. Um deles, o mais gorducho, pretendíamos exportar. Dois estavam a ser negociados com uma grande superfície. E os restantes seriam mastigados in loco. Não poderia haver melhor política, aqui combinando a auto-suficiência doméstica, o impulso à produção nacional e a penetração no mercado externo – um três em um sustentável, embora a exportação arruíne a sustentabilidade do importador.

Um nojento insecto deu cabo deste magnífico plano de negócios. Dia a dia, foi recortando geometricamente as escassas folhas da planta, cobrindo o chão ao redor do vaso com os seus dejectos. “Canalha”, pensei, em total desprezo pela biodiversidade. Mais: se a minha mulher, que estava fora e chegaria dentro de dias, visse o estado em que eu deixara a planta, era surra na certa.

Tinha de agir, e rápido. Matar os bichos, eliminá-los. Teoricamente, eu preferiria adoptar uma posição mais sensata e deixar a natureza seguir o seu rumo. O egoísmo, porém, é marca registada do ser humano, e por mais que eu desejasse ser ecologicamente correcto, preservar aqueles cinco figos, bem como a minha integridade física eram a prioridade.

Na despensa, encontrei uma hipótese de salvação, um insecticida supostamente “bio”. Dizia-se inodoro e biodegradável. Mas, curiosamente, admitia-se inócuo. Nas instruções ficava claro que o seu uso era preventivo. Para matar de facto, seria necessário pulverizar directamente o produto sobre o corpo dos insectos. Se é para isso, então o melhor é dar-lhes de uma vez com a embalagem, reduzindo a poluição ao animal esmagado.

Uma prateleira acima, num canto, outro produto parecia mais robusto. Vinha num longo recipiente cilíndrico, da altura de uma garrafa de vinho. Sem deixar dúvidas sobre o seu propósito letal, a maior parte da embalagem era ocupada com a palavra “insecticida”, impressa em letras gordas. Em ponto menor, li a indicação de que era para interior e plantas e não hesitei.

Apliquei-o sobre as zonas afectadas e só quando vi o aerosol químico a cobrir de branco as folhas é que acordei para a asneira que estava a fazer. Os ingredientes tinham nomes assustadores, com destaque para o aparentemente terrível butóxido de piperonilo. Ignoro o que faz, mas suponho que baste gritar “butóxido!” para matar uma barata.

Abortei a operação mas já era tarde, o spray tinha chegado aos frutos. Conhecendo o carácter persistente dos pesticidas no ambiente, sei que aquela planta está condenada. Mesmo que sobreviva, nunca mais comerei daqueles figos.

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