Num quarto dos agrupamentos, mais de metade dos alunos são carenciados

O que fazer com as escolas que somam desvantagens?

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Quando as escolas têm grandes percentagens de alunos carenciados, de famílias com níveis de escolaridade abaixo da média nacional e poucos professores do quadro — ou seja, maior necessidade de contratar anualmente, o que significa grande mobilidade de docentes —, isso é... um cocktail de desvantagens.

No agrupamento de escolas do Marão, em Amarante, a percentagem de alunos abrangidos pela Acção Social Escolar (ASE) é superior a 80%. Este é o agrupamento onde o peso dos alunos com ASE é maior.

Aqui, apenas 51,1% dos docentes fazem parte do quadro (de escola ou de zona pedagógica), quando, em média, num agrupamento típico, 77% dos professores estão vinculados. E os pais (homens) dos alunos do Marão têm em média cinco
seis anos de escolaridade.

A Escola Básica do Marão é ainda um exemplo de isolamento: está inserida numa zona rural, “não tem nada à volta”, para lá chegar há alunos a ter de apanhar três autocarros, diz Dina Sanches, directora do agrupamento de Escolas de Amarante, onde o Marão foi integrado no princípio deste ano lectivo. “Há crianças a fazer 30 quilómetros, às curvas, pela serra.”

Estamos, continua, “numa zona de emigração” — muitos pais partiram ou estão a partir, alguns levam os filhos, outros deixam-nos com os avós. A escola vai-se esvaziando.

Muitos dos meninos raramente participam em actividades na cidade — idas aos museus, ao teatro, aulas de música, organizadas pelo agrupamento de Escolas de Amarante. E não participam porque o Marão é longe. Esta é uma escola onde parecem somar-se desvantagens — corpo docente instável, isolamento, falta de recursos.

Os dados que caracterizam agrupamentos de escolas ou escolas isoladas fornecidos pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) traçam o retrato que se vivia nas escolas em 2012. Num quarto dos agrupamentos e escolas não agrupadas (248), mais de metade dos alunos são abrangidos pela Acção Social Escolar (ASE) — concedida pelo Estado a crianças e jovens do ensino básico e secundário que estão inseridos em famílias cujos rendimentos justificam esse apoio.
Há dois escalões de ASE. Os rendimentos de referência para o escalão A vão de zero a 2934,54€; para o escalão B, de 2934,55€ a 5869,08€. Para se calcular a que escalão pertence uma família, soma-se os rendimentos de todos os elementos do agregado familiar e divide-se pelo número de titulares de abono de família. Num agregado familiar com cinco elementos, dos quais duas crianças, isto significa que está no escalão A uma família que tenha, por ano, até 8800 euros para sobreviver e no escalão B uma família que tenha até 17.500 euros anuais.

“Escolas repulsivas”
Não se pode dizer que haja uma tendência marcada que demonstre que escolas com mais alunos com ASE têm um corpo docente menos estável. Essa tendência existe, mas é muito menos significativa do que, por exemplo, a relação — pouco surpreendente, de resto — entre o facto de os alunos mais carenciados serem de famílias menos escolarizadas (ver gráficos).

Mas há muitos casos que dão que pensar, para além do do Marão: no agrupamento de escolas da Apelação, Loures, a percentagem de professores do quadro é de apenas 26%, no de Carnaxide (Portela, Oeiras), de 40%, nas Escolas Pintor Almada Negreiros, Lisboa, 44,8%.

Uma vez mais: estes agrupamentos são dos que menos docentes têm do quadro e dos que têm mais alunos com ASE (mais de 70% dos alunos são carenciados). Ter poucos docentes no quadro significa ter de contratar ano após ano, sem que haja uma continuidade dos professores que põem prática o projecto educativo da escola.
Paulo Guinote, professor e autor do conhecido blogue A Educação do Meu Umbigo, não comenta especificamente o caso do Marão, mas conhece outros. “O que se passa é que essas escolas, com imensos problemas, são escolas ‘repulsivas’, ou seja, os professores tendem a fugir delas, mesmo quando ficam lá colocados. Há fenómenos similares em outras zonas do país”, diz.

Mesmo quando colocados, pedem “destacamento para aproximação à residência ou por motivos de apoio à família ou qualquer mecanismo legalmente disponível”, continua.

O que fazer nestes casos? “O estímulo à fixação do pessoal docente poderia passar por horários ligeiramente reduzidos na sua componente lectiva ou no número máximo de turmas e ou alunos, mas o MEC parece não imaginar mecanismos de discriminação positiva deste tipo”, diz Guinote. “Nem que fosse durante dois ou três anos”, estas escolas mais fragilizadas deviam ser ajudadas, defende, tendo a possibilidade, por exemplo, para contratar técnicos especializados para lidar com situações de insucesso recorrente ou abandono — mediadores, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas.
Dina Sanches diz que, no caso da Escola Básica do Marão, o problema da instabilidade docente já foi parcialmente resolvido — havia muitos professores contratados anualmente, porque havia poucos alunos, pelo que não era possível abrir vagas para vinculação, justifica; neste ano lectivo que agora começou, com a fusão no agrupamento de Amarante, os recursos partilham-se. “Há uma fixação de professores à escola.”

Só falta mesmo resolver o problema das actividades de enriquecimento curricular (AEC). “Não conseguimos arranjar professores para lá”, diz ainda Dina Sanches. Não parece haver muita gente a querer ser contratada para ter de se deslocar todos os dias pela serra para trabalhar só algumas horas por semana. E, assim sendo, neste momento, “como não há professores, não há AEC”.

A esperança na fusão
No caso do Marão, as taxas de conclusão nem são más, pelo contrário: 96,6% no 4.º ano, 87,8% no 6.º ano. Bons resultados que podem explicar-se com o facto de até agora o Marão ter sido “um agrupamento pequeno e haver um grande acompanhamento da direcção”, diz Dina Sanches. Já as médias nos exames são fracas, reconhece. No ranking das escolas onde houve provas no 4.º ano, a Básica do Marão aparece em 2940.º lugar (em 4609 escolas) com 2,62 de média.

Com a integração num agrupamento maior, Dina Sanches acredita que os resultados dos alunos melhorarão: “Amarante sempre esteve bem nos rankings, por isso haverá uma pressão maior” para elevar a fasquia no Marão. Por outro lado, os professores terão a possibilidade de planificar em conjunto actividades — com colegas que estão num outro meio, mais urbano. “Os próprios pais sentem a fusão com Amarante como um benefício.”
 

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Especial Rankings em http://www.publico.pt/ranking-das-escolas

 

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