Gostamos muito de azeite, mas cometemos “erros básicos”

O jornalista Edgardo Pacheco fez um guia com os 100 melhores azeites de Portugal e acredita que este é um mercado que “está a dar um salto”, como aconteceu com o do vinho.

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Num país mediterrânico, os alunos saem dos cursos de hotelaria “a saber mais sobre manteiga” do que sobre azeite Enric Vives Rubio
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Edgardo Pacheco, jornalista especializado em gastronomia, é autor do guia "Os 100 Melhores Azeites de Portugal" DR

Vemo-nos como um país de grandes apreciadores de azeite mas, como consumidores, cometemos ainda “erros básicos”. Por exemplo? Continuar a olhar para o rótulo à procura do nível de acidez e escolher um azeite com base nisso. “É preciso desmistificar essa questão da acidez, que é dramática”, diz Edgardo Pacheco, jornalista especializado em gastronomia e autor do guia Os 100 Melhores Azeites de Portugal, com fotografias de Jorge Simão, que acaba de ser lançado pela Lua de Papel e que deverá passar a ser anual.

“As pessoas acham que a acidez é que conta. Mas ninguém consegue detectar a acidez na boca porque não tem cheiro nem sabor. Pode haver azeites que têm 1% de acidez e que são baratos porque provêem de azeites defeituosos que foram refinados e os consumidores escolhem-nos”, explica. Este guia serve (também) para isso: oferecer aos leitores uma espécie de curso básico sobre como comprar e utilizar azeite.

Edgardo Pacheco opta por não dar notas aos 100 azeites que apresenta, e que foram seleccionados como os melhores entre cerca de 200 que experimentou, mas arrisca escolher o top 10 para destacar aqueles que se distinguem e explicar porquê num pequeno texto de enquadramento para cada um.

Mas como se explica, afinal, que exista ainda um desconhecimento tão grande em Portugal? “Julgo que tem a ver com o facto de estarmos tão familiarizados com o azeite. Para nós é tão trivial como comer pão, por isso não lhe damos a importância devida”, avalia Edgardo Pacheco. “Toda a gente tem um primo que produz azeite lá na terra e há o mito de que se o azeite é feito pelo pai ou o tio no lagar da terra é bom e puro.” Fomo-nos habituando a consumir azeite com defeitos achando que é assim que deve ser.

Mas, por outro lado, o mundo da produção de azeite conheceu nas últimas décadas uma grande evolução. Está a ter em Portugal um percurso semelhante ao do vinho, embora siga alguns passos mais atrás. Foi, explica o autor do guia, a partir do final dos anos 80 que o professor José Gouveia (que foi professor de Edgardo num curso de azeites e assina o prefácio do livro) começou, com a sua equipa do Laboratório de Estudos Técnicos de Azeites do Instituto Superior de Agronomia, a trabalhar na identificação das denominações de origem. “Aí começámos a perceber que temos boa matéria-prima, mas o trabalho no lagar deixava muito a desejar.”

Percorreu-se um longo caminho desde então. Basta folhear o livro para ver como muitos produtores, além de terem investido imenso na qualidade do azeite, estão cada vez mais a trabalhar a imagem, com garrafas que, em alguns casos, parecem de vinho ou de whisky. Há um esforço para criar azeites diferenciados, que ganhem prémios nos concursos internacionais (o mais prestigiado destes é o Mario Solinas) e que se posicionem como gourmet no mercado nacional e, sobretudo, da exportação.

Falta formação

O primeiro a lançar-se nesse campeonato foi a Herdade do Esporão, conta Edgardo. “Um distribuidor no Brasil sugeriu a ideia à família Roquette, que percebeu que, sendo o azeite um produto mediterrânico como o vinho e tendo já a marca Esporão prestígio naquele país, fazia sentido juntar as duas coisas.”

Apesar disso, Portugal tem uma característica que dificulta a vida destes produtores mais pequenos, muitos dos quais são em primeiro lugar produtores de vinho: o mercado é dominado por duas marcas, Oliveira da Serra e Gallo, que, juntas, perfazem 65% das vendas de azeite. “Estes dois operadores têm grande poder negocial e conseguem colocar azeites a preços muito competitivos. No outro dia, um pequeno produtor dizia-me que se não vendesse o seu azeite a oito euros não ganhava dinheiro nenhum. E depois entra a especulação absurda que existe por parte dos intermediários e que faz com que este azeite chegue às lojas a 17 euros.”

Há, contudo, alguns trunfos com os quais se pode jogar. “Os produtores do Douro, tendo a marca Douro por trás, têm mais facilidade em colocar o azeite nos mercados de distribuição, nas lojas gourmet”, explica Edgardo. “E há um mercado muito grande que é o brasileiro, onde o azeite português tem uma notoriedade superior à do vinho.”

Muitos produtores acreditam que estamos num momento de viragem e que “vamos dar um salto” de sofisticação na nossa relação com o azeite. Mas como é que isso se consegue? Há “três áreas fundamentais”. A primeira são escolas de hotelaria — Edgardo Pacheco considera inexplicável que estas não tenham um módulo sobre azeites e que, num país mediterrânico, os alunos saiam destes cursos “a saber mais sobre manteiga” do que sobre azeite.

As outras duas áreas são os cozinheiros e restaurantes e a comunicação social, “onde se poderia escrever de forma mais regular sobre o tema”, defende. “Quem é que escreve sobre azeites em Portugal? Duas ou três pessoas. Se as televisões também pegarem nisso, se o sector criar alguma dinâmica, e os festivais de vinho introduzirem o azeite, as coisas começam a mudar.”

Era também muito importante, diz, que os restaurantes passassem a dar mais valor ao azeite, disponibilizando por exemplo, uma carta de azeites. Muito bom sinal, para já, é o entusiasmo com que os 25 chefs convidados por Edgardo Pacheco aceitaram o convite para fazer para o livro uma receita que permita um uso original do azeite — e prova desse entusiasmo são as divertidas fotografias que Jorge Simão lhes tirou, uns com azeite a escorrer pelas mãos, outros a passá-lo pela cara ou a fingir que o bebem.

Entre as receitas há algumas sobremesas, como um leite creme de azeite, gelado de lima kaffir e caramelo, de Ricardo Costa (The Yeatman) ou os célebres bombons com azeite do mestre chocolateiro Francisco Siopa. “Há azeites no Douro que têm notas aromáticas muito aproximadas aos frutos secos e especiarias doces, tipo canela” e são ideais para sobremesas, sublinha Edgardo Pacheco.

“Os cozinheiros que desafiei foram todos impecáveis, estão muito excitados e alguns já querem fazer uma carta de azeites”, conta. “Começa a haver a percepção de que o azeite pode mesmo ser um elemento diferenciador. Acho que agora existem condições para que essa mudança aconteça.”

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