No país dos segredos

O processo penal não é um produto de uma granja policial que se administra e gere com as regras da casa. É o único instrumento do Estado de Direito na procura da Justiça penal. O que nele se trata respeita à comunidade e ao cidadão.

A sua lentidão descredibiliza a Justiça, perturba a paz social. Acarreta prejuízos às vítimas e aos arguidos. Quanto mais se afasta do tempo dos factos, mais difícil é o seu êxito.

Já é a terceira vez que aqui falo no assassinato de Marlon Correia ocorrido a 4 de Maio de 2013. Na altura, encheram-se páginas e páginas de jornais e telejornais. Com “provas”, indícios delas. A Polícia Judiciária já sabia, etc. Estórias. Um monte de especulações.

Lentamente, tudo se foi esquecendo. Já ninguém fala nisso. Chama-se justiceirismo. Rigor exacerbado na justiça que se exige já e agora. Logo tudo voa como o vento.

Marlon Correia, estudante de desporto, foi assassinado a tiro no Queimódromo da Universidade do Porto. Estes não são os edifícios onde está instalada a instituição. Hoje aqui, amanhã ali. Universidade é a sua história, ciência, cultura, acções lúdicas, docentes e estudantes. O Queimódromo, sede de eventos festivos de universitários, é um prolongamento da universidade.

Falarei as terceiras vezes que forem exigidas pelo grave da questão. As causas justas não se abandonam. Nem se esquecem. Não é mau feitio nem maus modos. São princípios. É respeito pela vida humana. Justiça.

A vida de Marlon Correia não é mais valiosa do que a de outro cidadão. O seu assassinato tem um significado mais pungente por se tratar de um crime inqualificável na universidade. A universidade é o centro de ciência e cultura por excelência. Crime aí cometido assume maior gravidade penal e reprovação social.

A investigação é secreta se o Ministério Público o decretar. Sujeita ao segredo de Justiça que protege o processo. Também protege a incompetência e outras “virtudes”. O país é de segredos! Não se sabe o que devia saber-se. Sabe-se o que não devia saber-se.

Nos processos em que se investiga o crime de tráfico de estupefacientes, o Ministério Público não decreta o segredo de Justiça!!! Há sempre umas toneladas de estupefacientes apreendidas para exibir. As apreensões são sempre as maiores de sempre. Há ainda as “fontes ligadas à investigação” e as “fontes ligadas ao processo” que informam dolosamente.

Mesmo em segredo de Justiça, o processo penal pode sempre conviver e compatibilizar-se com outros valores, com o direito à informação, como permite a lei processual.

A investigação está em segredo. A cidade, a universidade e a família não sabem de nada. A investigação “corre seus termos”! Há ano e meio que “corre”. As instituições devem ser respeitadas. Não prestam contas. Terra de respeitinhos. O que se fez e omitiu é segredo de Justiça. A falta de escrutínio, o sigilo, a tibieza hierárquica engordam perversidades.

Não é segredo de Justiça. É secretismo. Há um assassinato na universidade. A demora esgota paciências. Cansa. A ideia de Justiça fica abalada. A polícia investiga devagarinho. “Com autonomia técnica e táctica”!  O Ministério Público vai delegando a investigação na polícia. Alheia-se dela. Faz um controlo de faz-de-conta. De ofícios. Lava as mãos no lavatório de Pilatos. Presta contas de quatro em quatro anos à inspecção. Se prestar. A Justiça e cidadão são de somenos! A investigação vai rançando.

Procurador-geral adjunto

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