Provas de aferição já este ano para os alunos do 2.º, 5.º e 8.º. Exames nacionais só no 9.º

Ministério da Educação apresentou novo modelo de avaliação para o ensino básico e garante que ano lectivo não será perturbado. Documento já foi enviado às escolas.

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Ana Banha

O novo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, anunciou mais uma “revolução” na avaliação dos alunos do ensino básico, com efeitos a partir deste ano lectivo, apesar deste já se encontrar a meio. No ensino básico voltará apenas a existir um exame, que será realizado no final do 9.º ano, anunciou nesta sexta-feira o Ministério da Educação (ME), tal como o PÚBLICO já havia antecipado no início desta semana. Tiago Brandão Rodrigues regressa assim ao modelo em vigor antes da entrada de Nuno Crato, que em 2012 alargou a realização de exames nacionais ao 6.º ano e, no ano seguinte, ao 4.º.<_o3a_p>

O ministério de Tiago Brandão Rodrigues não se limitou a regressar atrás no tempo, também decidiu inovar ao anunciar que vai antecipar a realização de provas de aferição para os 2.º, 5.º e 8.º anos. Ou seja, os exames do 4.º e 6.º anos não se realizarão, mas também não serão substituídos por provas de aferição (estas não contam para a nota final), conforme recomendado pelo Conselho Nacional de Educação, nesta quinta-feira.<_o3a_p>

Estas alterações terão impacto na programação feita pelos professores, uma vez que os exames do 6.º ano se realizavam em Maio, antes do final do ano lectivo, o que obrigava a uma antecipação das matérias dadas em sala de aula, que agora deixa de fazer sentido. Por outro lado, como vários professores estão a alertar nas redes sociais, a aplicação das provas de aferição, já este ano lectivo, ao 5.º ano irá abranger os alunos que, ainda há oito meses, em Maio de 2015, tiveram que realizar o exame do 4.º ano. 

Em resposta por escrito ao PÚBLICO, o gabinete de comunicação do ME considerou que a adopção do novo modelo "não perturba o normal funcionamento do ano lectivo". "Porque confiamos no trabalho dos professores e das escolas, é apenas pedido que se continue o bom trabalho lectivo em prol das aprendizagens", acrescenta, salientando que "o objectivo das aulas não é, nem nunca devia ter sido 'treinar' para provas, mas sim proporcionar as melhores aprendizagens". Sendo assim, alega o ministério, "os alunos que beneficiaram de uma boa gestão curricular estão aptos a participar em qualquer processo de aferição e os que, por alguma razão, estiverem em dificuldade têm o direito de ter as suas necessidades identificadas atempadamente".

À semelhança dos exames, a realização das provas de aferição continuará também a ser obrigatória e com carácter universal. São elaboradas por um organismo central externo às escolas e o mesmo enunciado é apresentado a todos os alunos dos anos de escolaridade em causa. A justificação para que estas provas não sejam realizadas em final de ciclo (4.º e 6.º ano) mas a meio é porque assim as escolas podem “agir atempadamente sobre as dificuldades detectadas” nos alunos.

Ao contrário também do que tem sido a norma, estas provas não abrangerão só os conteúdos de Português e Matemática, uma opção que, segundo o ministério, se destina a “contrariar o estreitamento curricular” registado nas escolas e que foi também assinalado pelo CNE no seu parecer sobre a avaliação do ensino básico.

Avaliar mais do que o Português e a Matemática
Como é que este salto será feito? Segundo o ministério, no final deste ano lectivo realizar-se-ão duas provas no 2.º ano de escolaridade, uma de Português e outra de Matemática, mas “apresentando as duas uma componente de Estudo do Meio”. No ano seguinte, 2016/2017, a tutela promete que “a aferição já incluirá a área das Expressões”.

Nos 5.º e 8.º anos de escolaridade, as provas que se realizarão em 2016 serão ainda só às disciplinas de Português e Matemática. Já a partir do próximo ano lectivo passarão a incidir, “rotativamente, sobre outras áreas do currículo”, indica ainda o comunicado do ME.

Quanto ao 9.º ano, desaparece o teste de Inglês, que nem sequer é mencionado na nota á imprensa do Ministério da Educação. Na informação enviada às escolas, o ministério é, contudo, mais específico, esclarecendo que o teste de Inglês, elaborado pela Universidade de Cambrigde, "é suspenso". Esta prova, introduzida há dois anos por Nuno Crato, passaria a contar para a nota final já em 2016. Nas suas respostas ao PÚBLICO, o gabinete de comunicação do ME explicou que esta prova foi suspensa "dada a incompatibilidade do seus termos de aplicação com o modelo de aferição e avaliação agora proposto".

No 9.º ano continuarão a realizar-se exames nacionais às disciplinas de Português e de Matemática, “no regime em que decorrem desde 2005”. Ao PÚBLICO, o ME confirmou que não se prevê, no 9.º ano, a extensão da avaliação externa a outras disciplinas, o que justifica pelos facto destes exames existirem há já 10 anos. Só deste modo os dados provenientes destas provas poderão continuar a servir "de referência a uma comparação com estudos internacionais em que Portugal participa com regularidade", especificou. Também esclareceu que não estão ser equacionadas, para já, alterações ao modelo de avaliação no ensino secundário, porque este "é dependente do regime de acesso ao ensino superior, pelo que nunca pode ser discutido sem se pensar nas suas consequências para este fim".

No comunicado à imprensa, o ministério anuncia também que “será criado um grupo de trabalho, constituído por professores e especialistas em avaliação e currículo, que acompanhará a implementação deste modelo e procederá à sua avaliação”. 

Em 2015/2016, as provas de aferição do 2.º e do 5.º ano vão realizar-se na última semana de aulas e as do 8.º após o final do ano lectivo, “em datas compatíveis com o restante calendário de avaliação externa”, informa ainda o ministério.

Mais consenso, pedem directores
O ministro da Educação promete também que irão realizar-se, “em breve, reuniões de trabalho com os directores”. No comunicado diz-se ainda que foram ouvidos, no âmbito desta revisão da avaliação, o Conselho das Escolas (o organismo que representa as escolas), o presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), as associações de professores de Português e Matemática e a Confederação Nacional das Associações de Pais, entre outras entidades. 

Contactado pelo PÚBLICO, David Justino, presidente do CNE e ex-ministro da Educação do PSD, prefere não fazer comentários a estas alterações que nada têm que ver com a proposta feita pelo organismo que representa. Recorde-se que nesta quinta-feira o CNE defendeu a manutenção dos exames no final do 6.º e 9.º ano de escolaridade e provas de aferição para o 4.º ano. Num estudo técnico realizado pelo organismo conclui-se que apenas uma ínfima percentagem de estudantes ficam retidos por causa dos exames.

Para o mesmo relatório foi feito um levantamento dos normativos legais aprovados desde 2000 sobre a avaliação dos alunos e que mostra que estes ultrapassam as duas dezenas. “É uma listagem enorme que mostra que estamos sempre a alterar o sistema. Não podemos continuar com esta prática porque um sistema de avaliação precisa de estabilidade para que seja previsível e de credibilidade para que haja confiança. Se não existirem estes dois vectores, o sistema não funciona”, declarou na quinta-feira David Justino.

Também Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), defende uma maior estabilidade na política de avaliação externa. "Os partidos deviam ser ouvidos e devia haver um compromisso político para não mudar tudo de quatro em quatro anos", pede.

Embora o ministério tenha ouvido muitos parceiros, incluindo directores de escola, a ANDAEP não foi consultada, informa Filinto Lima. Contudo, "a solução não nos desagrada", diz. No entanto, não devia ser introduzida a meio do ano, mas no próximo ano lectivo, acrescenta. É que "depressa e bem, não há quem", continua Filinto Lima, citando um ditado popular. "Este assunto é muito importante e a decisão foi tomada com muita rapidez."

Mas a decisão ministerial tem "aspectos positivos" como o avaliar mais do que o Português e a Matemática. "As escolas estavam a ser invadidas por uma pressão louca e o ensino estava a ser muito afunilado. Dava a ideia que os alunos só tinham de saber Português e Matemática e há outras áreas que têm de ser exploradas", defende Filinto Lima.

Professores aplaudem, mas nem todos foram ouvidos
Ao contrário do referido na nota do ministério, nem o Conselho das Escolas, nem a Associação de Professores de Matemática (APM) foram ouvidos a propósito do documento divulgado nesta quinta-feira pelo Ministério da Educação. “Não fomos expressamente ouvidos para este momento, embora já tenhamos reenviado à nova equipa ministerial, por várias vezes, as nossas posições sobre a avaliação no ensino básico, que coincidem no geral com as decisões anunciadas”, indicou ao PÚBLICO a presidente da APM, Lurdes Figueiral.

 “O senhor ministro informou-nos sobre as premissas que deviam presidir aos modelos de avaliação. Mas não conhecíamos os pormenores”, informou, por seu lado, o presidente do Conselho das Escolas, Eduardo Lemos, acrescentando que a “avaliação não devia surpreender [as escolas] anualmente”.

Já a responsável pelo ensino básico da Associação de Professores de Português (APP), Filomena Viegas, indicou que “foram ouvidos sobre as provas de aferição e que tiveram a oportunidade de dar o seu contributo”, nomeadamente no que respeita à sua extensão a outras componentes curriculares. Independentemente de como foram acautelados os mecanismos processuais, tanto a APP, como a APM aplaudem as mudanças anunciadas nesta sexta-feira.

Lurdes Figueiral lembra que a APM sempre defendeu que a existir algum exame no ensino básico, este devia realizar-se apenas no 9.º ano. “Sempre dissemos que a introdução dos exames no 4.º e 6.º ano foi um terrível erro pedagógico”, justificou a responsável da APM, que justifica esta percepção não pelo facto destes terem impactos significativos na nota final dos alunos, o que não sucede como demonstrou o Conselho Nacional de Educação, mas sim porque “introduziram uma grande perturbação nas aprendizagens”. “Devido também à pressão social exercida sobre os professores, o trabalho em sala de aula converteu-se em treino de determinadas capacidades, o que se revelou ser muito redutor para as aprendizagens”, especifica.

“Estamos completamente de acordo com a realização das provas de aferição antes da conclusão de cada ciclo, porque este é o momento em que ainda se pode fazer alguma coisa para colmatar as dificuldades detectadas, já que estas poderão ser trabalhadas no ano seguinte. É uma medida inovadora e que irá dar frutos”, comenta Filomena Viegas, lembrando que estas provas têm como objectivo devolver informação às escolas sobre as aprendizagens dos alunos e não a atribuição de notas, como nos exames.

Lurdes Figueiral espera também que a comunidade escolar, incluindo os pais, assuma estas provas “não como mais uma espécie de exame”, como já sucedeu no passado, mas que as vejam como um instrumento de “análise da situação os alunos”. 

Quanto ao facto de os alunos que fizeram exames no 4.º ano em 2015 virem a ser obrigados a realizar provas de aferição no final do 5.º ano, a presidente da APM admite que, “quando há mudanças, existe sempre uma franja de alunos que é mais afectada”, mas apela também a que haja “alguma ponderação” na aplicação daquelas provas. Filomena Viegas também considera ser “provável que haja ainda ajustamentos” na aplicação das provas, embora não a choque que os mesmos alunos sejam submetidos a duas avaliações externas num curto espaço de tempo, uma vez que, insiste, as provas “não têm o peso dos exames” e servem “objectivos completamente diferentes”.

Notícia actualizada às 18h55: Adicionadas respostas do Ministério da Educação sobre o novo modelo de avaliação

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