No concelho de Pedrógão Grande só 13 crianças foram matriculadas no 1.º ano

No agrupamento de escolas de Pedrógão Grande havia 401 alunos, no ano lectivo 2007/2008. Este ano, estão reduzidos a 296, do pré-escolar ao 9.º ano. Os professores reclamam condições para atrair pessoas para o interior. "As empresas não vêm para cá por causa do ar puro e das águas límpidas do rio Zêzere”", lembram.

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Escolas são um espelho do despovoamento do interior Oxana Ianin
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Oxana Ianin

António David, natural de Pedrógão Grande, tem 56 anos e é professor do 1.º ciclo naquele concelho há 33. Quando era miúdo, não o deixaram ir logo para a antiga 1.ª classe, porque a professora já tinha “muitos alunos”, eram 31. Teve de esperar um ano para aprender as letras e os números numa escola que ficava numa aldeia e que já fechou. Agora é António David quem ensina as palavras e as contas aos pequenos, mas numa sala com metade das crianças. Ao todo, a turma tem 16 meninos e já junta alunos do 1.º ano e do 3.º.

Este ano lectivo, no concelho de Pedrógão Grande, apenas se inscreveram no 1.º ano do 1.º ciclo 13 alunos: dois na escola de Vila Facaia, dois na da Graça e nove na Miguel Leitão de Andrada. Apesar de ser um número que, de acordo com a direcção do agrupamento de escolas, desceu para quase metade em relação a 2012 (no ano passado, a escola sede tinha cinco turmas do 1.ºciclo, este ano só tem quatro), este concelho do distrito de Leiria e da região do Pinhal Interior Norte não é sequer dos que mais alunos vai perder no país.

Segundo dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, o Pinhal Interior Norte perderá 760 alunos até 2018 - 17% da actual população estudantil do 1.º ciclo, sobretudo no 1.º e 3.º anos. Em 2017/2018 só 854 alunos entrarão no 1.º ano do 1.º ciclo. Aliás, também no 2.º ano e 3.º ciclos haverá menos de 1000 alunos, em cada um dos níveis, na região toda.

A directora do agrupamento, Natércia Rodrigues, pega nas folhas com os dados globais do agrupamento que inclui alunos do pré-escolar ao 9.º. Ainda que a leitura não seja linear, porque há anos em que há mais alunos e outros menos, a docente destaca o ano de 2007/2008: havia 401 inscritos no agrupamento. Este ano há 296.

António David lamenta que não haja mais medidas para inverter os efeitos da baixa natalidade e da interioridade. “As pessoas não vivem do ar puro, por muito bem que faça. Como não há empregos, as pessoas têm de ir à procura e ficam aqui cada vez menos. Fecham os serviços todos, fecham tudo, daqui a pouco nem médico temos. É o litoral a afundar e o interior a desertificar. Não há condições de emprego que fixem as pessoas aqui. É preciso criar condições especiais para que as empresas venham para cá, não vêm para cá por causa do ar puro e das águas límpidas do rio Zêzere”.

Tendo em conta as crianças do concelho que frequentam o ensino pré-escolar, os professores da escola estão, porém, com expectativas de que para o ano em vez de 13 matrículas haja 18. “Para o ano que vem, já se antevê uma turma mais jeitosa, pelo menos uns 18…Mas a tendência é para ir descendo”, ressalva Natércia Rodrigues.

Memórias
A professora, com 48 anos, directora do agrupamento há oito e professora em Pedrógão há 15, pousa as folhas com os dados e recupera as memórias que tem. “No 2.º e 3.º ciclo dantes eram quatro turmas em cada ano e agora são duas: duas no 5.º, duas no 6.º, e por aí fora até ao 9.º”, enumera. António David acrescenta outras recordações: “Sou professor do 1.º ciclo em Pedrógão há 33 anos. Quando comecei havia 13 escolas em Pedrógão [hoje há três], em várias aldeias, algumas delas com dois professores. Eramos 15, 16 professores do 1.º ciclo, agora somos seis.”

O agrupamento de Pedrógão Grande tem boas instalações: a sede tem uma piscina municipal mesmo ao lado, escorregas e balizas no recreio, biblioteca. As outras duas escolas ficam nas freguesias de Vila Facaia e da Graça e as crianças que lá andam vão, uma vez por semana, num transporte das juntas de freguesia, até à sede usufruir dos equipamentos.

O agrupamento já chegou a ter uma turma entre o 10.º ano e o 12.º. “Agora, com o número de alunos que temos, não nos deixam abrir uma turma do secundário. Quando chegam ao 9.º, os alunos que quiserem ir para o curso geral vão para a Sertã ou para Figueiró [dos Vinhos]. Se ficarem em Pedrógão, têm de ir para a escola tecnológica e profissional”, explica Natércia Rodrigues.

A turma de António David tem nove alunos do 1º ano, com 6/7 anos, e seis meninos do 3º ano, com 8/9. Para além destas crianças, tem também uma miúda de 13 anos que chegou de Moçambique e que, por questões que se prenderam com o processo de transição, acabou por ir parar a esta turma.

António David desdramatiza a dificuldade de dar aulas a um grupo com diferentes níveis de aprendizagem. “Não é que cause dificuldade, mas claro que uma coisa é dar aulas a um grupo homogéneo e outra é dar a um grupo com vários anos de escolaridade. É preciso estratégias, pôr os alunos mais autónomos a fazer trabalhos, mesmo de grupo, porque os mais pequenos, no início, requerem muita atenção”, explica.

Na aula de informática, com outro professor, as crianças estão todas a interagir umas com as outras: espreitam o que estão a fazer os colegas nos computadores, alguns conversam, outros estão muito concentrados, há quem chame pelo professor para tirar dúvidas. Maria tem 8 anos e faz parte do grupo dos mais velhos desta turma. Garante que, na hora da brincadeira, não há diferenças entre os do 1º ano e os do 3º mas, nas aulas, “às vezes”, ajuda “os mais pequeninos”.

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