Nem felizes, nem deprimidos: os portugueses "vão andando"

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Liberdade política, laços sociais fortes e a ausência de corrupção são importantes para a felicidade Foto: Pedro Cunha

Os países mais felizes do mundo estão todos no Norte da Europa: Dinamarca, Finlândia, Noruega. Os mais infelizes são dos mais pobres da África subsariana: Togo, Benim e República Centro-Africana.

No primeiro Relatório Mundial sobre Felicidade, elaborado pela Universidade de Colúmbia a pedido das Nações Unidas (ONU), Portugal ficou classificado no lugar 73, a meio de um ranking com 156 nações, mas atrás de 22 dos 27 Estados-membros da União Europeia. Apesar de existir uma ligação entre a riqueza e o bem-estar das pessoas, o estudo concluiu que factores como liberdade política, laços sociais fortes e a ausência de corrupção são igualmente importantes.

Os dados deste ranking foram recolhidos entre 2005 e 2011 e, numa escala de 0 a 10, foi pedido aos entrevistados que avaliassem a qualidade de vida, sendo 0 a pior vida possível e 10 a melhor vida possível. No caso de Portugal, a avaliação média de vida dos entrevistados foi de 5,4, uma classificação que os autores do estudo descrevem como uma situação de bem-estar moderado, pouco consistente, ou de um certo receio em relação ao futuro.

"Faz parte da idiossincrasia portuguesa: fugimos dos extremos. Os portugueses nunca estão muito bem nem muito mal. Vão andando", afirma Rui Brites, sociólogo e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade Técnica de Lisboa. Para este investigador, que tem trabalhado na área da avaliação do bem-estar e da felicidade, estes resultados são "consistentes" com outros estudos publicados nos últimos anos. No entanto, alerta para a dificuldade de se fazerem comparações entre países. "Quando perguntamos apenas às pessoas qual o seu grau de felicidade, é complicado depois comparar países porque as realidades culturais são diferentes e os resultados finais não têm em conta essas especificidades", refere.

Mais felizes, logo, mais optimistas

Apesar de se situar sensivelmente a meio do ranking a nível mundial, Portugal fica atrás de 22 dos países da UE, estando apenas à frente da Roménia, Hungria, Letónia e Bulgária. Estes resultados são idênticos aos registados noutros inquéritos anteriores sobre felicidade e bem-estar, como o que foi realizado em 2008 pela European Social Survey: Portugal ficou classificado no penúltimo lugar entre 15 países europeus.

De acordo com Rui Brites, a correlação entre a felicidade/bem-estar e o optimismo é "muito forte", sendo que a tendência é para que os países "mais felizes" sejam "mais optimistas relativamente ao futuro" e que os menos felizes sejam também os mais "pessimistas". "Os portugueses encontram-se habitualmente entre os mais pessimistas e, nesse aspecto, apresentam um padrão de identificação mais próximo dos cidadãos dos antigos países comunistas da Europa de Leste do que dos restantes países europeus: têm menores níveis de confiança social, e não acreditam tanto nas instituições nacionais", refere. Ainda assim, considera que os portugueses não devem ser olhados como pessoas infelizes. "Não somos tão felizes como noutros países, como é o caso dos países nórdicos, mas somos felizes ", conclui.

José Luís Pais Ribeiro, psicólogo e docente da Universidade do Porto, realizou nos últimos quatro anos um estudo sobre o bem-estar dos portugueses, com amostras com mais de 500 pessoas em todos os distritos, e confirmou que, neste tipo de inquéritos, o país fica sempre abaixo dos restantes países europeus. "Numa escala de 0 a 100, o valor médio ficou entre os 60 e os 70% ao passo que nos restantes países europeus esses valores andam próximos dos 80%", refere.

Mais felizes, mais ricos

De acordo com o estudo da Universidade de Colúmbia, os factores mais importantes para a felicidade podem ser pessoais –como a saúde mental e física, a experiência familiar, a educação – ou externos, como as condições económicas, o trabalho, a comunidade e as instituições de Governo. Os países mais felizes tendem a ser os mais ricos, mas nos países mais avançados, no entanto, a correlação entre felicidade e riqueza só se verifica até um certo ponto. "A partir de um patamar aceitável de vida, essa relação deixa de existir e passam a contar outras coisas", afirma José Luís Pais Ribeiro. É o caso dos EUA: segundo o estudo, apesar de a riqueza do país ter aumentado desde 1960, os indicadores de felicidade e bem-estar da população têm permanecido praticamente inalterados no último meio século. O aprofundamento das desigualdades económicas no país e a degradação das condições ambientais e da qualidade de vida dos americanos são alguns dos factores apontados no estudo.

"Estes indicadores de felicidade e bem-estar são úteis para completar a realidade dos países, que normalmente é apenas retratada através de indicadores económicos de riqueza e pobreza", afirma Pais Ribeiro, acrescentado que estes indicadores podem contribuir para redefinir as prioridades das políticas públicas.

Na década de 1970, o Butão foi o primeiro país a criar o conceito de Felicidade Interna Bruta, mas actualmente há já outros países a utilizar instrumentos de medicação da felicidade e do bem-estar. No Japão, o Governo nomeou recentemente um painel de especialistas que criaram um índice de felicidade, que cruza factores económicos com indicadores sobre o estado psicológico da população. "Felicidade e bem-estar começaram a ser levados em linha de conta a partir do surgimento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que quis contrariar a tendência de classificar os países pelo seu PIP. Hoje são sem dúvida conceitos que estão na moda", refere Pais Ribeiro.

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