Não obrigados

Aprende-se alguma coisa com a psicanálise dos outros, quando o psicanalista é bom. Gosto muito do psicanalista Frederico Pereira, possesso de imaginação e liberdade, esfuziante de originalidade e generosidade intelectuais: duas virtudes raras que quase nunca se vêem juntas.

Que todos sentimos culpa de mais já se sabe desde Freud (ou Woody Allen, para quem começou mais tarde, pela tangente). Mas foi por um interposto analisando que eu soube que Frederico Pereira presta atenção à maneira como não só cumprimos obrigações que não nos fazem bem (e que não nos obrigam, a bem ver, a nada) como temos a tendência chata, desconfortável e inconveniente de criar obrigações. Como se não bastassem todas as outras obrigações que todos os outros nos lembram e nos colam e não descansam enquanto não as cumprimos.

Fernando Pessoa ("Ai que prazer/não cumprir um dever") estava enganado: o prazer é nem sequer conhecer o dever. O dever não existe. É como o homem do saco e satanás. Só existe para quem acreditar (que é como quem diz ver medo) neles.

Não há em Portugal, por muito familiar ou estranha que seja a pessoa que não consultámos mas fez questão de nos aconselhar, quem seja capaz de se calar quando se trata de arrolar as obrigações que temos como filhos, pais, irmãos, portugueses, seres humanos e todas as outras famílias, corporações e empresas a que pertencemos, quer queiramos, quer não, sem nunca termos pedido o privilégio de pertencer.

Cuidado.

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