Filipa Vacondeus, morreu a cozinheira que nunca usava paprica

Grande divulgadora da cozinha portuguesa, autora de vários livros, e que, no ano passado, com 81 anos, quis voltar à televisão para continuar a falar da sua paixão de sempre, a cozinha.

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Destacou-se pelos livros e programas televisivos sobre culinária Jorge Simão/Matéria-Prima Edições

Filipa Vacondeus, a mulher que se tornou célebre pelos programas televisivos e livros de gastronomia, morreu nesta terça-feira, aos 81 anos.

Estava internada desde o Natal num hospital em Lisboa, onde morreu na manhã desta terça-feira, confirmou ao PÚBLICO fonte da editora Matéria-Prima Edições. Autora de mais de uma dezena de títulos todos eles ligados à culinária, Filipa Vacondeus editou os últimos três livros com a Matéria-Prima, sendo que o último foi publicado já em 2013.

Não gostava que lhe chamassem chefe. Apesar dos 14 livros de receitas publicados, Filipa Vacondeus considerava-se apenas uma cozinheira autodidacta. “Sou uma dona de casa, ou uma leiga, que a única coisa que fez foi aprender com o tempo”, disse numa entrevista a Diana Garrido para o jornal i, em 2010.

E foi, sobretudo, uma divulgadora, não só através dos livros, mas em grande parte através dos programas de televisão – aos quais tinha regressado em Maio do ano passado, quando aceitou um desafio do canal 24 Kitchen para apresentar o programa “À Boleia de Filipa”, ao lado de Filipa Gomes. O estilo rockabilly desta contrastava com o lado “tia” de Filipa Vacondeus, mas era nesse contraste, e na paixão de ambas pela cozinha, que residia o trunfo do programa.

Um programa para o qual Filipa Vacondeus se propôs, por não gostar de estar parada. “Comecei a ficar sem nada para fazer e como sou espectadora assídua do canal, decidi pedir uma entrevista e propôr um programa divertido e diferente”, contou na altura à Visão. “Na minha idade quando uma pessoa pára é para a morte a vir buscar. Mesmo com esforço, vale a pena não ficar inactiva.”

“É com tristeza que recebemos [toda a equipa do 24Kitchen] esta notícia. A Filipa Vacondeus era já uma cara querida do canal e foi um grande privilégio poder trabalhar ao lado de uma senhora que marcou de forma tão emblemática a história da televisão e da gastronomia portuguesa”, declara Vera Pinto Pereira, directora-geral da FOX International Channels, em comunicado. O canal vai emitir a partir das 22h desta terça-feira, os 13 episódios do programa.

Também a editora Matéria-Prima declara a sua tristeza. Afinal, Vacondeus foi a sua primeira autora. "Nossa amiga, nossa autora. Um exemplo de mulher, de profissional, dona de uma energia inesgotável. Enfrentava dias mais intensos de trabalho como se fosse uma jovem, com o entusiasmo que às vezes só reconhecemos nos principiantes. Parecia inquebrável. Mas afinal é só eterna", diz a última entrada colocada na página do Facebook da editora.

Monárquica, católica e fumadora imparável
Filipa Côrte-Real nasceu a 12 de Maio de 1933, numa família muito tradicional, monárquica e católica, e começou a vida profissional como hospedeira da TAP, apesar de alguma oposição familiar à ideia. Aos 35 anos casou com o jornalista José Vacondeus (dizia que inicialmente tinha odiado o apelido, mas a partir daí ficou sempre Filipa Vacondeus), fundador dos jornais O Tempo e O País, e, como sempre gostara de cozinha, abriu um restaurante de luxo em Alfama, o Cota de Armas. Na já referida entrevista ao i contou que a carta era toda original, com receitas dela e da sua chefe de cozinha, “a minha Clotilde, que é fantástica”.

Mas o Cota de Armas teve que fechar a seguir ao 25 de Abril. É ainda Filipa que recorda porquê: “Era um restaurante de luxo, conotado com tudo o que era banqueiros, fachos da época, não havia hipóteses de continuar. Foi horrível, ia lá o Copcon [Comando Operacional do Continente] a toda a hora, buscar este e aquele, foi terrível.” Depois do encerramento do restaurante, o marido teve a ideia de anunciar que Filipa fazia “ceias de Natal a 1500$00”. Começou então uma fase em que fazia refeições para fora, ao mesmo tempo que organizava jantares em sua própria casa. Foi então que conheceu a jornalista Maria Elisa, que a convidou a fazer televisão.

Mais tarde, ficaria célebre o “boneco” que Herman José fez dela, brincando com a ideia de que nos seus cozinhados usava “imeeensssaaa paprica”. É ainda na entrevista ao i que Filipa fala desse momento: “Eu não conhecia [o Herman] antes disso. Estávamos num jantar e ele veio direito a mim. ‘Ó Filipa, a menina importava-se que eu me metesse consigo num programa que vou ter agora chamado O Tal Canal?'”. Ela não só não se importou como achava “muito engraçado”. Só não sabe de onde veio a ideia da paprica, um tempero que, garantia, nunca usava.

Nos seus livros tentou sempre ensinar receitas simples e, sobretudo, com a preocupação de aproveitar os restos. Por isso ficou conhecida como "a senhora dos restinhos". O primeiro livro surgiu em 1994 e chamava-se Cozinhar é Fácil, seguiram-se receitas de massas, peixes e mariscos, bacalhau e conservas. Em 2009 publicou as Receitas Low Cost e o último livro foi Os Petiscos de Filipa, lançado em 2013. Foi sempre monárquica e católica, fumadora imparável, e, acima de tudo, uma feroz defensora da cozinha tradicional portuguesa.

O velório é a partir das 14h de quarta-feira, na Igreja do Santo Condestável, em Lisboa, e será celebrada uma missa às 19h30. No dia 8, quinta-feira, haverá missa de corpo presente às 14h.

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