Morram, camundongos

Os massacres pesam muito nas almas, mesmo nas almas mais frias e selectivas.

Vi o primeiro ratinho na nossa casa em Janeiro. Demorou-se a olhar para mim. Era castanho-claro e cute. Era claramente um country mouse, um souris (sorriso) mais giro ainda do que os ratinhos do encantador Ernest et Célestine de 2012.

Depressa percebi que aquilo que consideramos ser a nossa casa (construída em 1892) é apenas o palco de um teatro maior e profundo que é habitado e gerido por gerações sucessivas de ratinhos.

Este insight deve ser emperigado pelo facto de cada geração de ratinhos se multiplicar de três em três meses. A certa altura (para aí desde 1950?), os ratinhos consideravam-se tão bem instalados que perderam o medo – já de si desprezível – dos inquilinos humanos.

Foram tantas as ratinhas e tantos os ratinhos que passaram arrogantemente à nossa frente que decidimos dissuadi-los de existir, para não dizer exterminá-los parcialmente – o que equivale a convencê-los a mudarem-se para os nossos vizinhos.

Custou-nos muito. Só conseguimos consolar-nos perversamente usando a palavra brasileira (inconcebível e inexplicável) que é "camundongos".

Se não fosse estarmos à espera de um gato (e de gostarmos da nossa biblioteca pouco roída), não teríamos espalhado venenos terríveis pelas dezenas de portinhas que os ratos abriram para entrarem e saírem da nossa casa.

Os massacres pesam muito nas almas, mesmo nas almas mais frias e selectivas. Não. Se calhar, só pesam nas almas mais quentes e universais.

Seja como for, é triste.

 

 

 

 

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