Ministro da Guiné-Bissau quis "dar um sinal" e colocou lugar à disposição

Delfim Silva acha que é impossível 74 sírios entrarem na Guiné-Bissau, via Marrocos, deslocarem-se em Bissau, ficarem alojados num hotel e embarcarem para Lisboa sem “a cumplicidade de muita gente”.

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TAP cancelou os voos para a Guiné Raquel Esperança

Alargam-se as brechas no Governo de transição da Guiné-Bissau por força dos 74 sírios que na madrugada de terça-feira desembarcaram em Lisboa. O ministro dos Negócios Estrangeiros daquele país, Delfim da Silva, apresentou nesta sexta-feira ao Presidente da República, Serifo Nhamadjo, uma carta na qual coloca o seu lugar à disposição.

Apesar de todos os percalços, nada assim acontecera: as autoridades locais deram ordem ao chefe de escala da TAP para descolar com os 74 sírios, apesar de os saberem portadores de falsos passaportes turcos, o que levou a companhia aérea a suspender os voos entre os dois países.

Nesta sexta-feira, o presidente da TAP, Fernando Pinto, explicou que “não houve demonstração de força perante a tripulação”. “A maior pressão foi feita sobre o chefe de escala”, esclareceu. Houve “ordens superiores” para proceder ao embarque, sob pena de o aparelho ficar retido. A garantir que eram cumpridas estavam as autoridades locais, o equivalente ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O voo decorreu de forma ordeira. Em Lisboa, o SEF esperava os sírios, que formavam várias famílias e já formalizaram o pedido de asilo.

Para Delfim da Silva, “é óbvio que houve cumplicidade entre pessoas que tinham a obrigação de proteger o país e não protegeram”. Não lhe parece possível os 74 sírios entrarem na Guiné-Bissau, via Marrocos, deslocarem-se em Bissau, ficarem alojados num hotel e embarcarem para Lisboa sem “a cumplicidade de muita gente”. Não desfia nomes. Refugia-se numa expressão vaga como “gente ligada à segurança e à imigração”.

A confusão instalou-se no Governo saído do golpe de Estado de 12 de Abril de 2012 – as eleições estão marcadas para 14 de Março de 2014. Numa primeira fase, o ministro de Estado que costuma assumir a função de porta-voz, Fernando Vaz, disse ao PÚBLICO que a suspensão dos voos poderia custar à companhia aérea portuguesa a autorização para voar para a Guiné. Numa segunda, Delfim da Silva tentou pôr água na fervura e encontrar formas de reatar relações.

Na sua opinião, o episódio provocou “um dano grande na diplomacia guineense”. Não ajuda nas relações com Portugal, nem com a União Europeia. Também não favorece a vida dos cidadãos da Guiné-Bissau que residem em Portugal ou noutro qualquer país do velho continente, já que aquela é a única ligação aérea que lhes resta. Enquanto ministro da tutela, tentou reduzir o dano.

"Lamentamos o sucedido, vamos apurar responsabilidades e tirar consequências", comentou, por exemplo, após encontro com o encarregado de negócios da embaixada de Portugal, Teles Fazendeiro. “Estamos numa situação delicada e queremos compor as relações com todos os países”, disse depois.

A companhia não descarta a hipótese de retomar os voos, mas apenas “se não voltarem a acontecer situações deste tipo”, referiu Fernando Pinto, frisando que “o aeroporto tem de oferecer uma condição de conforto à empresa”. Uma das soluções poderá ser retomar o apoio do SEF em Bissau.

Delfim da Silva também defendeu que se reactivasse o protocolo que permite ao SEF participar no controlo dos passageiros que embarcam em Bissau com destino a Lisboa. Por força do protocolo, que vigorou ao longo de 2012, as autoridades portuguesas terão conseguido reduzir de forma significativa a entrada de cidadãos oriundos da Guiné-Bissau com documentos falsos em território nacional. Findo o acordo, tudo terá regressado à estaca zero.

Quem deu a ordem? "São detalhes que vão demorar a ficar esclarecidos", reagiu, pouco depois do almoço, o ministro. Uma comissão de inquérito fora já anunciada pelo primeiro-ministro, mas não sabia dizer quando entraria em funções. Horas depois, estava a apresentar a demissão a Serifo Nhamadjo. Está descontente com o que aconteceu e com o modo como tudo está a ser gerido. “Tinha de dar um sinal. Coloquei o meu lugar à disposição do Presidente, que foi quem me convidou”, diz.

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