Mitó

Haverá todos os dias injustiça e injustiças e para cada uma cada um terá a sua escala. Mas morreu a Mitó. Naquele acidente, naquele dia, neste ano. E para essa injustiça não encontro uma escala.

Não consigo parar de ouvir o riso aberto dela. É o riso aberto dela a banda sonora da minha raiva. Aquele riso aberto de que senti falta todo o ano, que me acompanhava entre cigarros, bolachas e cremes de beleza e eu a dar-lhe Crónicas Femininas dos anos 70 compradas na Feira da Ladra para ela se rir, aquele riso que já tão injustamente nos tinha sido retirado dos dias. E que agora nos foi retirado para sempre. Sabes, Mitó, devia estar a escrever um daqueles artigos a que achavas piada e a dar-lhe um daqueles títulos a que achavas graça. Mas não consigo.

E, não sei porquê, nunca te disse, nunca calhou, que já antes de te conhecer eras para mim mitológica, depois de anos a fio a ler na revista Pública aquele extraordinário email nas páginas de beleza: mito@publico.pt. É que eu parava sempre naquele email e no seu surreal. Gostava de ler aquela direcção a cada domingo, a direcção do mito. Só depois de te conhecer é que soube que lhe faltava o acento, o de Mitó, o de Maria Antónia Ascensão.

Se calhar também nunca te disse que o meu regresso ao nosso jornal era todos os dias muito melhor por causa de ti. Por causa do teu jeito maternal e cúmplice. Porém, ficou por cumprir uma promessa. A que te fiz durante aquele trabalho que produzimos sobre as malfadadas maravilhas da gastronomia. Que se conseguisses os chefes e as receitas especiais, até eu te cozinhava um dos pratos. Não aconteceu entretanto mas garanto-te que no dia em que puser as mãos na massa me vou estar a lembrar de ti. E tinha aqui mais uma Crónica Feminina para te dar. Até já.

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