Ministra garante “plano B” com folhas de Excel para ultrapassar paralisação dos tribunais

Paula Teixeira da Cruz disse esta terça-feira no Parlamento que vai avançar com a "distribuição de processos nos tribunais" pelos magistrados. Oposição volta a exigir a demissão da governante.

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Paula Teixeira da Cruz diz que o ministério da Justiça vai apurar responsabilidades na divulgação da carta Nuno Ferreira Santos

A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, garantiu na manhã desta terça-feira, no parlamento, que entra esta quarta-feira em acção um “plano B” nos tribunais para se iniciar a distribuição de processos que estão parados devidos às falhas na plataforma informática Citius.

Serão enviadas, "salvo erro, folhas integrais dos processos que vão permitir a distribuição interna pelos órgãos de gestão da comarca” disse a ministra assumindo que “falhado o plano A” entra agora em marcha o “plano B”. O plano foi classificado de “plano de contingência” pelo social-democrata Carlos Abreu Amorim durante a audição da ministra na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias pedida pelo PCP para abordar as falhas na plataforma informática.

A responsável pela tutela não deu muitas explicações sobre as medidas fortes do plano de recurso. Disse apenas que “existe um ficheiro Excel que tem a lista de processos a atribuir aos senhores magistrados” relativo a 1,5 milhões de processos distribuídos que foi já enviado esta segunda-feira. Quarta-feira será enviada então uma nova lista com 1,6 milhões de processos. Restará enviar “posteriormente” a lista de distribuição de “750 mil” processos. “Fica tudo distribuído por magistrados e mandatários. Este plano ou mapeamento pretende um funcionamento mais normalizado. É essa a informação que me é dada”, explicou a ministra que, contudo, não conseguiu avançar com um prazo para que a situação dos tribunais normalize. O Citius antigo ficará disponível “por mais oito meses”, apontou.

O importante, realçou, é resolver agora a questão. A ministra rejeitou para já a ideia de que tem de demitir alguns responsáveis, nomeadamente no Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça cujo presidente, Rui Pereira, garantiu a 1 de Setembro a completa operacionalidade do sistema. “Não vou fazer rolar cabeças enquanto estiver a resolver o problema”, insistiu Paula Teixeira da Cruz que assegurou, porém, que haverá um “apuramento exaustivo das responsabilidades”.

Paula Teixeira da Cruz garantiu que o plano B foi traçado em conjunto com o Conselho Superior do Ministério Público e com o Conselho Superior da Magistratura (que reúne na tarde desta terça-feira para avançar com medidas de urgência em resposta às dificuldades nos tribunais). Até agora, avançou a governante, foram distribuídos 22.612 processos na nova versão do Citius. “Se houver urgência pode ser dada uma ordem e qualquer processo no Citius 2 [versão antiga] pode ser imediatamente transferido o Citius 3”, salientou.

“Não há juízes a olhar para o ar neste momento”
Porque a distribuição de processos no Citius estará comprometida, o que agora o ministério vai fazer é o mesmo que era antes feito ao nível das comarcas. Ou seja, sem recurso ao sistema informático. Os magistrados passam assim a saber quais os processos a seu cargo e aos quais têm de dar andamento. “Fez-se um levantamento comarca a comarca” e “não há juízes a olhar para o ar neste momento”, disse a ministra.

A rede dos tribunais de primeira instância, continua, contudo, com problemas. Os 3,5 milhões de processos existentes continuam no Citius antigo, onde só podem ser consultados e não tramitados, enquanto a versão nova da aplicação já pode receber novos processos. As falhas no Citius estão a paralisar parcialmente os tribunais de primeira instância há 23 dias desde que entrou em vigor o novo mapa judiciário.

Paula Teixeira da Cruz aproveitou o momento para dizer que não foi ela que desligou o Citius a 26 de Agosto deixando acusações aos anteriores técnicos, “pagos regiamente” e que se demitiram.

As críticas foram feitas evocando as palavras do ex-secretário de Estado da Modernização Judiciária do PS entre 2009 e 2011, José Magalhães. Na sua página do Facebook, o deputado descrevia em meados deste mês a forma como a equipa que desenvolveu o Citius “combateu ferozmente qualquer partilha do segredo que era a sua fonte de poder - e também de suplementos remuneratórios, viagens, colóquios, quilómetros pagos -” e como ele tentou, quando estava no Governo, “quebrar o monopólio do poder sobre o mundo Citius”.     

“Quando o Governo aplicou ao grupo os cortes de suplementos teve a réplica do costume: ameaça de ir embora levando o baú dos segredos. A [actual] ministra da Justiça respondeu segundo o seu feitio e a equipa teve mesmo de sair, não sem antes fazer uma mão cheia de maldades”, escreveu então o socialista também presente nesta comissão.

PS diz que ministra é a “mãe do caos judiciário”

Durante a audição, o PS voltou a exigir a demissão da governante, enquanto o PCP, através do deputado António Filipe, garantiu que existem na reforma judiciária "situações a roçar a ilegalidade. "A senhora ministra é a mãe do caos judiciário. Deve a sua demissão ao país", acusou ainda o deputado socialista Luís Pita Ameixa.

Mas Paula Teixeira da Cruz voltou a negar que exista caos nos tribunais admitindo apenas que se verificou um "percalço" e sublinhando que "uma coisa é a reforma outra é o instrumento que é a plataforma informática". Aliás, a ministra recordou que "já existia justiça antes do Citius e vai continuar a existir".

“Não pensei que viesse aqui desvalorizar o problema do Citius. Se está tudo bem porque pediu então desculpas?”, questionou também a bloquista Cecília Honório. “Quando se pede desculpa é por alguma coisa que aconteceu. Houve transtornos causados. Isso é evidente. Agora transtorno é diferente de caos”, respondeu a ministra que revelou ter sempre, enquanto advogada, confiado pouco na segurança do sistema informático.

 “Não tínhamos confiança nenhuma no Citius, que passava a vida em baixo. Algum processo meu de responsabilidade passava pelo Citius? Ia correr esse risco para depois aquilo bloquear e eu ter de pagar um milhão, ou 2 ou 3 ou 4 de indemnização?", questionou.

A ministra disse ainda que o Citius serve apenas para tramitar electronicamente “processos cíveis e de execução”, não servindo para os processos-crime. Porém, apesar da garantia de Paula Teixeira da Cruz, a plataforma informática é usada nos julgamentos de processos-crime. É ela que tem o módulo de gravação que permite registar o áudio dos testemunhos. Por isso, vários julgamentos têm sido adiados. Fontes judiciais garantem ainda que há também processos-crime que, além de existirem em suporte físico, estão alojados no sistema.

“Isto é a maior confusão criada nos tribunais nos últimos 200 anos. Estamos a assistir a uma situação indigna. O Citius não é um mero auxiliar. A senhora ministra continua a classificar de mero percalço uma situação que é caótica”, criticou o comunista António Filipe. A ministra, por seu lado, alegou que os advogados “não estão impedidos de praticar qualquer acto” já que continuam a poder recorrer ao “correio em papel”. 

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