Ministério Público acusado de tentar anular julgamento dos submarinos

Em causa está o facto de um dos inúmeros documentos apresentados aos arguidos alemães estar em língua portuguesa e não ter sido traduzido. Solucionar o problema pode ditar a anulação do julgamento.

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O Estado português terá sido lesado em mais de 30 milhões de euros Daniel Rocha

A defesa dos arguidos do caso das contrapartidas dos submarinos acusou na manhã desta quarta-feira os procuradores do Ministério Público de tentarem anular o julgamento — que dura há um ano e está na recta final — para impedir a absolvição dos dez suspeitos de burla ao Estado português.

Em causa está o facto de um dos inúmeros documentos apresentados aos arguidos alemães durante as audiências estar em língua portuguesa e não ter sido traduzido, como manda a lei. Solucionar o problema ocasiona demoras processuais que poderão, em última instância, ditar a interrupção das audiências em tribunal por mais de 30 dias, o que no julgamento de crimes, como é o caso, determina a sua anulação.

“É um acto intelectualmente desonesto”, declarou o advogado dos alemães, Nuno Godinho de Matos, aos jornalistas, muito embora reconhecendo que faria o mesmo, se estivesse no lugar do procurador. E acrescentou: “Como está convencido de que não conseguiu provar a criação por parte dos arguidos de um mecanismo enganoso para o Estado português, o Ministério Público prefere que o julgamento seja destruído para voltar tudo ao princípio.”

Em caso de anulação, o julgamento terá de ser repetido. O julgamento tinha entrado na manhã desta quarta-feira na fase de alegações finais, tendo na terça-feira a defesa dos arguidos alemães antecipado que vai pedir a absolvição por inexistência de burla. Competia ao Ministério Público iniciar as alegações finais e decidir se mantinha no essencial a acusação deduzida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e confirmada pelo juiz de instrução criminal Carlos Alexandre.

A juíza que preside ao colectivo que está a julgar o processo das contrapartidas dos submarinos já tinha deixado a porta aberta à absolvição dos dez arguidos acusados de burla qualificada e falsificação de documento, num despacho em que recusou o pedido do Ministério Público (MP) para ouvir cinco novas testemunhas de acusação.

No centro da discussão está se a Man Ferrostaal — uma poderosa multinacional que integrava o consórcio alemão que vendeu dois submarinos a Portugal e era responsável pelo programa de contrapartidas — teve intervenção na captação de dez negócios com sociedades portuguesas que fabricam componentes para a indústria automóvel, como garantiram ao Estado português. O Ministério Público (MP) sustenta que as contrapartidas são “fictícias”, porque não houve participação dos alemães na captação destes negócios, que terão resultado de relações comerciais já existentes. Não terá, por isso, havido qualquer mais-valia proporcionada pelo consórcio alemão à economia nacional — o objectivo das contrapartidas —, ficando o Estado português lesado em quase 34 milhões de euros.

Já depois da acusação, que imputava o crime de burla qualificada a vários dirigentes do Agrupamento Complementar de Empresas de Componentes Integrados para a Indústria Automóvel (ACECIA) envolvidos no contrato das contrapartidas, a Ferrostal fez chegar ao Governo português uma proposta alternativa, que passava pela reconstrução do Hotel Alfamar, no Algarve.

Com base nesta proposta, a defesa dos arguidos alemães chegou a pedir aos juízes que declarassem a extinção do procedimento criminal, e cancelassem o julgamento, uma vez que o Estado português — ao ser compensado através do Hotel Alfamar — já não podia alegar ter sido lesado. O Ministério Público opôs-se e o pedido foi recusado pelo tribunal.

Portugal contratou com o consórcio GSC a compra de dois submarinos em 2004, por mil milhões de euros, quando Durão Barroso era primeiro-ministro e Paulo Portas ministro da Defesa Nacional.
 
 

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