Melhorar a recolha de dados para melhorar vidas

A Fundação Gates e a Fundação Clinton lançaram “The Full Participation Report”, a primeira parte das conclusões sobre a situação da saúde das mulheres e raparigas em todo o mundo.

Quantas mulheres morrem por ano durante o parto? Quando comecei a estudar a questão dos problemas de saúde globais, há 15 anos, pareceu-me ser uma pergunta óbvia, mas a resposta chocou-me: "Ninguém sabe ao certo."

Não quis acreditar. Como é que não havia uma estimativa mundial? Onde estavam os dados fiáveis?

Estudei Gestão e Ciências da Computação, por isso sei bem que um conjunto de dados abrangente leva a decisões mais conscientes. As organizações mais eficientes reúnem e analisam dados constantemente e utilizam-nos para aumentar o seu impacto.

Por isso, fiquei surpreendida ao saber como eram limitadas as informações sobre a saúde e o desenvolvimento, principalmente nas questões que afectam mulheres e raparigas. Nas regiões mais pobres, elas viviam e morriam sem que a sua luta e as suas histórias fossem contadas, o que, por sua vez, levanta uma questão mais abrangente: se não conseguimos medir os desafios que elas enfrentam, como queremos resolvê-los?

Depois de ter visitado muitas vezes África e o Sul da Ásia, passei a acreditar ainda mais na importância dos dados e das estatísticas. Numa das primeiras viagens pela Fundação Bill & Melinda Gates, estive na casa de uma mulher que morava numa localidade pobre, no sopé dos Himalaias. Ela disse-me uma coisa que, desde então, já ouvi de muitas outras mulheres em várias partes do mundo: as mulheres e as raparigas querem construir uma vida melhor para si e para as suas famílias — e nós sabemos que quando elas têm a oportunidade de viver de forma saudável e produtiva, o benefício socioeconómico multiplica-se.

Só que, sem dados confiáveis e precisos sobre todas as questões que as afectam, esses objectivos permanecerão inatingíveis.

É por isso que, quando Hillary Clinton me abordou, em 2013, e me convidou para trabalhar com ela numa compilação abrangente sobre a situação das mulheres e raparigas do mundo inteiro, aceitei imediatamente. O nosso objectivo era reunir informações e dados sobre tópicos que variavam desde saúde e educação até ao casamento infantil e à inclusão económica.

Este mês, a Fundação Gates e a Fundação Clinton lançaram “The Full Participation Report”, a primeira parte das nossas investigações sobre o tema. Vinte anos depois do famoso discurso em que Hillary disse aos participantes da Quarta Conferência Mundial Sobre as Mulheres da ONU, em Pequim, que “os direitos das mulheres são direitos humanos”, o relatório oferece uma visão completa sobre as inúmeras questões que afectam mulheres e raparigas no século XXI, para além de nos ajudar a ver onde está a haver progresso e onde a situação está estagnada. Temos o que precisamos para transformar conhecimento em acção.

Voltando ao exemplo da mortalidade materna, sabemos agora que o número de mulheres que morrem ao dar à luz diminuiu muito nos últimos 20 anos — o relatório descreve mesmo este avanço como “uma conquista”. Quando conseguimos disponibilizar às mulheres intervenções comprovadas – como uma pessoa treinada para ajudá-la durante a gravidez e o parto –, podemos reduzir significativamente o número de mortes durante o processo.

O relatório também nos ajuda a perceber onde temos de concentrar os nossos esforços. Por exemplo, o documento concluiu que aproximadamente 60% das mortes maternas ocorrem em apenas dez países, entre eles a Índia, a Nigéria e a Etiópia. Ou seja, é exactamente aí que temos de concentrar as atenções e os nossos recursos para salvar mais vidas.

Os dados mais precisos também nos ajudam a entender alguns dos problemas mais complicados do mundo, como a diferença que ainda existe entre os sexos no ambiente profissional. A participação de mulheres na força de trabalho continua estagnada há 20 anos. Em todo o mundo, elas continuam a ganhar salários mais baixos, e menos de três em dez países oferecem protecção legal contra a discriminação de contratação e remuneração baseada no sexo.

As mulheres também enfrentam maiores obstáculos para começar um negócio. Nas áreas urbanas de África, por exemplo, os empreendedores homens têm, em média, mais do dobro do capital inicial do que as mulheres. E, estejam onde estiverem, são elas também que arcam com a maioria das responsabilidades em relação aos filhos e à casa, fazendo com que tenham menos tempo para dedicar ao trabalho.

Em 2014, passei vários dias no interior da Tanzânia com uma mulher chamada Anna, que tinha acabado de pedir um financiamento para começar um negócio de venda de ovos. Não havia dúvida de que era ambiciosa e estava entusiasmada com a oportunidade de ganhar algum dinheiro extra para a família, mas como tinha de cuidar da casa e de todas as actividades relativas a essa tarefa – andar uma hora para ir buscar água, preparar as refeições, cortar madeira – tinha, no máximo, poucas horas por dia para se dedicar à nova empreitada. Imagine-se o que ela poderia conquistar se tivesse menos responsabilidades em casa, ou mesmo um meio mais rápido para realizá-las.

Quando há mais mulheres a participar na economia, os benefícios alargam-se a todos: a pobreza diminui e o PIB sobe, tornando a sociedade mais próspera. Todos nós temos a responsabilidade de garantir que mulheres como Anna tenham a liberdade e os recursos necessários para perseguir os seus sonhos.

Com o lançamento do relatório demos mais um passo a caminho da solução dos desafios enfrentados por mulheres e raparigas em todo o mundo.

É por isso que uma recolha maior e melhor de dados é tão importante: por trás de cada quadro e de cada gráfico há alguém como Anna, uma mulher ou rapariga com as suas próprias lutas e aspirações, alguém que merece a oportunidade de desenvolver todo o seu potencial.

Sozinhos, os dados não vão mudar o mundo, mas as mulheres e raparigas a que eles se referem podem muito bem fazê-lo.

Co-presidente da Fundação Bill & Melinda Gates

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