Grupo julgado por tráfico de romenos para a apanha da azeitona

A acusação foi deduzida pelo Ministério Público de Beja contra grupo que terá explorado 30 trabalhadores da Roménia. Esta quarta-feira assinala-se, sob a égide das Nações Unidas, o Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas.

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24 trabalhadores foram resgatados pelas autoridades numa herdade António Carrapato

“Pardalian”, de 49 anos, e “Nelu”, seis anos mais velho, é que terão angariado 30 trabalhadores na Roménia para "Sergiu" pôr em herdades do Baixo Alentejo. Agora os três responderão, com outras três pessoas, no Tribunal de Beja pelo crime de tráfico de seres humanos.

A acusação foi deduzida pelo Ministério Público e traduzida para romeno para que cada um a possa compreender. Remete para a manhã de 13 de Novembro do ano passado, dia em que 24 trabalhadores foram resgatados pelas autoridades numa herdade. Nos quatro dias anteriores, 20 tinham sido forçados a “partilhar dois frascos de feijão e um pão por serem os únicos alimentos a que tinham acesso”.

A escassez de mão-de-obra para fazer trabalho agrícola atrai ao Alentejo trabalhadores de diversos países. Durante a campanha da azeitona, entre Outubro e Dezembro, pelas herdades passam cerca de dez mil estrangeiros. Inúmeros produtores recorrem a engajadores, o que os exime de ter vínculo com os trabalhadores.

Não por acaso. O acréscimo de sinalizações de tráfico de seres humanos registado no ano passado em Portugal remete para a exploração, sobretudo, de estrangeiros no labor intensivo dos olivais. Ainda no mês passado, o Tribunal de Beja condenou seis pessoas por tráfico de seres humanos oriundos da Roménia.

O salário mínimo na Roménia está nos 190 euros. Desde que o país entrou União Europeia, em 2007, não é exagero falar em êxodo. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, há já 3,5 milhões de romenos no estrangeiro. Era atrás de uma vida melhor que aqueles 30 trabalhadores também iam.

Esperavam ganhar três euros e meio por hora e pagar 20 euros por mês pelo transporte e pelo alojamento. Cada um terá entregue a “Nelu” 30 euros pela promessa de trabalho. Uns viajaram em Agosto de 2013, outros em Outubro. Os primeiros ainda andaram na apanha da fruta, na zona de Delgada/Bombarral. Os outros foram directamente para a apanha da azeitona, no Baixo Alentejo.

Tardaram cinco dias a percorrer o caminho desde a Craiova, na região de Dolj, no Sul. Viajaram apertados em duas carrinhas que “Pardalian” terá alugado por lá. O homem ia atrás, com a família, na carrinha que era sua. Viajavam de noite, não fosse algum órgão de polícia criminal mandá-los parar.

Em Beja esperavam “Nicu” e a companheira, Mariana. Faltava espaço nas três casas arrendadas. Alguns trabalhadores dormiam “em colchões muito degradados que colocavam na despensa, no chão das cozinhas, nos corredores, nos quartos e até no exterior das habitações, por baixo de um telheiro contíguo”.

Segundo o Ministério Público, todos os meses “ “Pardalian” e "Nicu” exigiriam a cada trabalhador que lhes pagasse 70 euros pelo alojamento e 150 pela viagem até Portugal. Pouco trabalho lhes terão arranjado. Nos três primeiros dias de trabalho nada lhes terão pago. Estariam à experiência. Nos cinco seguintes tão-pouco. O valor em falta serviria para garantir que não fugiriam.

Segundo apurou a investigação, desencadeada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Sergiu e outro homem contactavam agricultores necessitados de mão-de-obra. Já em Novembro, os 30 trabalhadores terão sido levados para uma herdade, em Alfarrobeira de Baixo.

No quarto com casa de banho privativa, aquecimento, ficariam “Nicu”, a namorada e outro arguido, “Lili”. Em divisões em portas, sobre colchões degradados, dispostos sobre paletas de madeira ou caixas de plástico, pelos quais lhes eram cobrados dois euros, dormiam os trabalhadores. Em dois quartos terão chegado a dormir 20 trabalhadores com acesso a um quarto de banho sem água quente.

Finda uma semana de trabalho, com jornas das seis da manhã às quatro da tarde, cada trabalhador só terá recebido 56,50 euros, aos quais havia que descontar 42 euros pela alimentação. “Nicu” teria “uma reserva de alimentos no quarto que ocupava com a companheira”. Vendê-los-ia “aos trabalhadores que tivessem fundos para o efeito, mas ao triplo do preço do mercado”. “Pardalian” far-lhes-ia empréstimos a condições idênticas. Famintos, procuravam comida no lixo.

A ‘Lili’ “cabia dominar os trabalhadores nos campos, “mediante violência ou a sua promessa”. “Pardalian” e “Nicu” retinham documentos de identificação, faziam pagamentos e “descontos”. “Devido aos descontos efectuados pela viagem da Roménia, pelo alojamento, pelos transportes em Portugal, pelas compras de comidas e bebidas efectuadas ao arguido ´Nicu´ e à companheira deste e pelos empréstimos de dinheiro, cada um dos referidos trabalhadores não recebeu quantia superior a 25 euros, enquanto se manteve sob a alçada dos arguidos”, lê-se no documento a que o PÚBLICO teve acesso.

Quatro arguidos permanecem em prisão preventiva. Ainda não está agendado o julgamento.

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