Especialistas confirmam tendência de medicina defensiva

Estudo da FMUP concluiu que portugueses realizam demasiados exames médicos. Dois especialistas ouvidos pelo PÚBLICO confirmam a tendência e falam na prática de medicina defensiva

Foto
Estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto alerta para riscos de realização de demasiados exames médicos Paulo Ricca

Os exames de rastreio têm consequências negativas para a saúde dos utentes e os médicos têm tendência a pedir mais análises do que as previstas nas recomendações clínicas nacionais e internacionais. A conclusão do estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) é contrária à “percepção cultural” enraizada na sociedade portuguesa, mas corroborada pelos médicos Vítor Veloso e António Vaz Carneiro.

“Já vi doentes que não têm qualquer queixa e que aparecem com uma bateria completa de marcadores tumorais, o que é uma tolice porque não há queixa”, disse o secretário-geral da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Vítor Veloso, contactado pelo PÚBLICO para opinar sobre o estudo apresentado esta quarta-feira.

A equação nem sempre é simples, admite o director do Centro de Medicina Baseada na Evidência, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, António Vaz Carneiro: se em alguns casos, sobretudo oncológicos, é verdade que um diagnóstico precoce feito com o rastreio pode salvar vidas também é de salientar que  o risco de falsos positivos e falsos negativos e de sobre-diagnóstico são significativos.

“O rastreio é uma boa ideia mas como prática tem de ser  muito bem sustentada. Uma boa parte dos médicos pensa que os rastreios não têm risco nenhum”, lamentou Vaz Carneiro. Nada mais falso: “No check up regular anual, por exemplo. Saiu um estudo há pouco tempo que conclui que em doentes assintomáticos não só a mortalidade não diminui com o checkup como, pelo contrário, o exame induziu novos testes e intervenções que aumentaram a mortalidade, nomeadamente nos idosos.”

A culpa, diz, “está mais nos médicos do que nos doente”: “A medicina preventiva deixou de ser uma doença para ser uma religião.”

“Procurar uma agulha num palheiro” pode ser prejudicial para o utente, reforça Vítor Veloso, que acusa o Estado de estar a “despender uma quantia desnecessária” em exames de diagnóstico quando tem doentes oncológicos “a quem os medicamentos não estão a ser dados por falta de verbas”.

Para o membro da Liga Portuguesa Contra o Cancro a origem do problema está na crise económica em que Portugal mergulhou: “Dada a agressividade com que a medicina está a ser feita no que diz respeito às economias e ao número de doentes que são impostos a cada médico, os profissionais de saúde entram numa lógica de medicina defensiva. Como não têm tempo de ver o doente pedem exames a mais. É uma situação que tem tendência a agravar-se.”

A medicina defensiva está, de facto, a tornar-se uma prática mais recorrente, corrobora Vaz Carneiro. Justificação? “É óbvio que quando posso ser processado e acusado de incompetência por pedir exames a menos e nunca serei acusado de pedir testes a mais, se pedem testes a mais.”
 

Sugerir correcção
Comentar