Médicos lamentam “humor negro” do Ministério da Saúde sobre as urgências

Moção da Federação Nacional dos Médicos condena resposta de Fernando Leal da Costa sobre "imagens bem conhecidas dos profissionais que lá trabalham e que desesperam com as condições com que diariamente se confrontam".

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Os peritos estão a estudar a reforma da rede de urgências do país PÚBLICO/Arquivo

A Federação Nacional dos Médicos (Fnam) condena o “humor negro” com que o secretário de Estado adjunto da Saúde reagiu a uma reportagem de “teor indesmentível” sobre o caos nas urgências hospitalares e, numa moção, defende que Fernando Leal da Costa fez “declarações não compagináveis com a decência e o respeito exigidos pelos doentes num Estado solidário e democrático”.

A moção a que o PÚBLICO teve acesso, aprovada no sábado num congresso extraordinário da Fnam que teve lugar em Coimbra, considera que as declarações de Leal da Costa só podem “constituir uma peça de lamentável humor negro feita à custa dos cidadãos” e contrapõe que o caos nas urgências hospitalares retratado numa reportagem da TVI de 13 de Abril apenas releva “imagens bem conhecidas dos profissionais que lá trabalham e que desesperam com as condições com que diariamente se confrontam”.

Em causa está o comentário do secretário de Estado ao trabalho da TVI, que se infiltrou em urgências de 15 hospitais do país e recolheu imagens durante um mês que mostram doentes amontoados em camas e macas em espaços dimensionados para menos atendimentos e com poucos profissionais de saúde. “É uma reportagem que só vem confirmar a opinião que eu tenho, que os serviços de urgência em Portugal funcionam muito bem, é uma experiência que confirma que tem picos de afluência, como nós já sabíamos, durante a noite os serviços tendem a encher-se, durante o dia tendem a estar mais vazios, por força da própria orgânica do sistema”, reagiu Leal da Costa.

O governante contrapôs ainda o que as imagens mostravam. “O que nós vimos foram pessoas bem instaladas, bem deitadas, em macas com protecção anti queda, em macas estacionadas em locais apropriados, algumas dos quais em trânsito eventualmente para outro serviço. Vimos pessoas em camas articuladas, vimos pessoas com postos de oxigénio, vimos hospitais modernos, vimos sobretudo profissionais muito esforçados”, acrescentou. Em concreto sobre os médicos que falaram com a TVI, disse que são “reputados e reconhecidos militantes do Partido Comunista e da oposição” que não provaram o que afirmam.

Para a Fnam, as afirmações de Leal da Costa apenas comprovam que “para o sector privado e o sector dito social possam crescer é necessário delapidar o património do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS)”. Perante “imagens intoleráveis do ponto de vista de cidadãos”, a estrutura representativa dos médicos contrapõe que depois de 40 anos de sucesso o SNS vê-se agora “remetido para uma progressiva, imposta e acelerada degradação das suas condições de operabilidade”.

“Os cortes irresponsáveis produzidos na área da saúde, sem qualquer dispositivo de acompanhamento e estimativas de impacto, associados à desregulamentação das carreiras técnicas e desvalorização dos mecanismos de controle de qualidade, têm vindo a produzir evidentes limitações de acesso, de resultados e de dignidade no tratamento, dos quais as urgências hospitalares são um dos exemplos mais facilmente testemunhados”, lê-se na moção, que destaca ainda as situações de burnout entre profissionais de saúde.

A Fnam lamenta, ainda, que o Governo não tenha “efectuado qualquer rectificação às declarações produzidas, reforça-se a evidência da sua opção política - Para que o sector privado e o sector dito social possam crescer é necessário delapidar o património do nosso SNS solidário, previdente e universal”. O texto critica também que o ministério de Paulo Macedo não assuma como responsabilidade a “preocupação com a qualidade dos cuidados, a segurança dos doentes e a gestão do risco” e reafirma que a Fnam não será “cúmplice na destruição do SNS”.

Numa reacção à mesma reportagem, também o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) já tinha vindo afirmar que o trabalho tornou “visível o caos que se vive nos hospitais, principalmente, nas urgências hospitalares resultado da diminuição do número de camas hospitalares e da diminuição das metas previstas relativamente às camas de cuidados continuados” e também a falta de profissionais. O SEP apelidou de “vergonhoso” o que Leal da Costa veio defender e insistiu que “querer esconder isso [os problemas] dos portugueses é querer continuar a governar sem responsabilidade”.

Aliás, tanto a reportagem como a reacção de Leal da Costa ocuparam também o centro do debate quinzenal de sexta-feira, com Ferro Rodrigues e Catarina Martins a levarem o tema até Passos Coelho – que não gostou e respondeu: “Devo dizer que me surpreende que o senhor deputado Ferro Rodrigues queira discutir reportagens de televisão no nosso debate parlamentar”.

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