Médicos alemães declaram cura de VIH em paciente após transplante de medula óssea

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Falar em “cura” da sida após vários fracassos na investigação tornou-se um tema sensível Foto: Carla Carvalho Tomás arquivo

O caso remonta a 2007. Na altura, um norte-americano de 42 anos, residente em Berlim e infectado pelo VIH, tinha desenvolvido uma leucemia aguda. A quimioterapia falhou e seguiu-se um transplante de medula óssea. Após a intervenção, as análises revelaram que o vírus responsável pela sida tinha desaparecido do seu corpo. Quatro anos depois, a equipa de investigadores alemães confirma que o transplante conseguiu erradicar o VIH do doente e deu-o como curado.

De acordo com Thomas Schneider e os seus colegas da Universidade Médica de Berlim o paciente, que tinha leucemia e VIH, quatro anos após a cirurgia continua livre do vírus. “Os nossos resultados sugerem fortemente que a cura para o VIH foi conseguida para este paciente”, lê-se no jornal médico Blood, onde acaba de ser publicado um artigo sobre o caso.

A história foi divulgada pela primeira vez em Março de 2008, num congresso que decorreu em Boston sobre retrovírus e doenças oportunistas. Gero Hütter, outro dos colegas de Schneider, apresentou o espantoso caso de um doente com VIH e leucemia que, ao que tudo indicava, estava livre do vírus da sida há 145 dias. Porém, o resultado foi recebido com muita prudência – já que falar em “cura” da sida após tantos fracassos na investigação tornou-se um tema sensível.

Uma outra curiosidade neste caso é que Gero Hütter, médico do norte-americano, não é especialista em sida mas sabia da existência de uma mutação genética, conhecida desde 1996, que torna as pessoas que a herdaram dos dois progenitores imunes a quase todas as estirpes de VIH. A mutação verifica-se no gene que comanda o fabrico de uma proteína, a CCR5. Normalmente, a CCR5 encontra-se à superfície das células-alvo do VIH, que a usa para entrar nelas e replicar-se. Mas nos "mutantes", ela desaparece e o vírus fica à porta.

O segredo escondido numa mutação genética

A equipa procurou, entre as amostras de sangue de dadores de medula óssea compatíveis com o doente, uma que fosse mutante de pai e mãe para a CCR5. E encontrou-a na amostra n.º 61 entre 80 possíveis. Uma sorte, visto que apenas um por cento dos europeus são portadores desta mutação (e talvez um pouco mais no Norte da Europa). O doente foi então irradiado e tratado, de forma a eliminar virtualmente todas as células do seu sistema imunitário, e a sua medicação anti-VIH suspensa. A ideia era retomar os tratamentos para o VIH após o transplante. A equipa tem procurado o vírus no seu cólon, fígado, líquido espinal e cérebro – os reservatórios onde o VIH se pode “esconder” durante anos.

Mas o vírus não voltou e acende uma esperança para o futuro, ainda que prudente, já que a equipa de Schneider salienta que este não é de todo um tratamento de larga escala. O transplante de medula óssea é um procedimento de última linha na área da hematologia e apresenta riscos elevadíssimos, além de ser extremamente doloroso para o doente e de demorada convalescença.

O transplante implica destruir a medula óssea do paciente e depois transferir a do dador compatível. Seguem-se longos meses de espera para que o sistema imunitário de reconstitua. “Não é prático e pode matar pessoas”, salientou à agência noticiosa Reuters Robert Gallo, do Instituto de Virologia Humana da Universidade de Maryland, que ajudou a descobrir o vírus da imunodeficiência humana (VIH), responsável pela sida.

O investigador não descarta a hipótese de cura mas sublinha que só depois de o doente morrer e de ser feita uma análise genética completa se poderá ter certezas. O vírus da sida atinge 33 milhões de pessoas em todo o mundo e já matou mais de 25 milhões desde que a pandemia começou, nos anos 1980.

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