Medicinas Alternativas... ou Complementares?

Não será o momento de trabalhar em equipa e separar o trigo do joio?

A utilização de medicinas designadas por “alternativas”, em situações de doenças em crianças, tem vindo a aumentar.

Segundo um estudo realizado na Austrália e no País de Gales, cerca de metade das crianças observadas em hospitais pediátricos estavam a utilizar terapêuticas complementares e alternativas. Um outro estudo, realizado no Reino Unido, mostrou que as crianças com doenças crónicas utilizavam três vezes mais tratamentos “alternativos” do que as crianças saudáveis. O que é curioso é que os médicos pediatras não sabiam que os seus clientes estavam a fazer outras formas de tratamento, por opção dos pais.

Um estudo realizado na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa (Videira, C., Veloza, A., Moreira, J.M., Ribeiro, J. e Miranda, R.) revelou que, ao contrário do que se poderia pensar, a maior parte das pessoas que recorre à medicina alternativa não está insatisfeita com a medicina convencional – de facto, 95% dos inquiridos que utilizavam a medicina alternativa diziam-se satisfeitos com os cuidados médicos, 88% consideravam a relação com o médico boa e 92% estavam satisfeitos com os resultados dos tratamentos médicos. Muitas das pessoas que recorrem à medicina alternativa, quando precisam de cuidados mais especializados, consultam também os médicos especialistas convencionais.

Talvez a medicina convencional não esteja “em crise”, nem essa seja a razão do aumento da procura da medicina alternativa. Assim, o recurso a estas práticas não seria encarado pelos utentes como uma “alternativa” ou substituto à medicina convencional, mas sim, como um complemento desta. E as crianças virão, certamente, a beneficiar desta abordagem global e holística, dentro das várias “medicinas complementares”.

As medicinas designadas por “alternativas” não deveriam ser menosprezadas e inferiorizadas. O próprio nome, “alternativo”, é quanto a mim errado: trata-se de metodologias de tratamento “complementares” da chamada “medicina ocidental”.

Também é errado designar esta por “científica”, dado que muitas das terapêuticas utilizadas nas “complementares” são cientificamente válidas (e muitas das que nós utilizamos na “medicina ocidental” ainda carecem de prova cabal...).

Para além dos achados dos estudos, uma conclusão é óbvia: chegou a altura de deixar “a falar sozinhos” os corporativistas que defendem que “medicina só há uma, a ocidental e mais nenhuma”, e estudar, em conjunto e colaboração, as várias medidas terapêuticas que podem beneficiar, do ponto de vista biológico, psicológico e social, as crianças e suas famílias. É bom admitirmos que não sabemos nem dominamos tudo, e que a separação do trigo do joio passa por reconhecer que há trigo e que há joio. Na medicina “alternativa", mas também na “ocidental”...

Moda ou necessidade?
Alternativas? Complementares? A discussão é grande e a polémica tem feito correr rios de tinta, envolvendo os mais altos órgãos de soberania, as instituições profissionais e os leigos. Não adianta “tapar o sol com a peneira”, nem emitir juízos de valor sobre uma prática que, como todas, terá os seus pontos positivos e os seus aspectos menos bons – o que interessa é ver, numa abordagem científica, qual o interesse, a eficácia e a eficiência desta medicina, se o seu posicionamento é “alternativo” ou “complementar” relativamente à medicina “médica”, bem como saber um pouco mais dos “quês” e “porquês”, dos “quem” e dos “quandos”. Até porque, sob a designação “alternativa”, encontram-se coisas tão diversas como comprar de vez em quando um chá de tília ou submeter-se a acupunctura regularmente.

Uma área em franco crescimento
Não existem dúvidas de que a medicina alternativa está a tornar-se cada vez mais popular no hemisfério Norte. Em Portugal, os dados permitem saber que cerca de um em cada seis portugueses revela ter já utilizado as terapêuticas alternativas, nas duas semanas anteriores a serem inquiridos e pelo menos um em dois ao longo da sua vida.

No entanto, apesar da crescente procura da medicina alternativa em Portugal, há um vazio legislativo sobre esta matéria, o que permite o exercício desta medicina por pessoas não qualificadas para tal. Por outro lado, os profissionais formados por faculdades de medicina tradicional chinesa, por exemplo, de reconhecimento internacional, ficam ao mesmo nível dos charlatães, o que leva a que seja difícil distinguir a qualidade da impostura.

As crianças podem ser grandes beneficiárias da medicina alternativa, nas suas diversas variantes – aliás, a insistência que se faz, só para dar um exemplo, na massagem do bebé, é um reconhecimento de que certo tipo de actuações têm um reflexo directo sobre os estados de saúde e de bem-estar das crianças.

O reverso da medalha
Claro que nem tudo são “rosas”, nem chazinhos de camomila. É necessário as pessoas estarem alerta para a existência de muitos charlatães nesta área, e que o arrastar de alguns problemas pode trazer riscos para a saúde, não apenas pela acumulação de medicamentos dos dois tipos (com efeitos colaterais cumulativos), mas porque há diagnósticos que podem ser protelados, com prejuízo para a criança.

A abertura de espírito e a análise científica das vantagens e desvantagens, eficácia e eficiência das várias práticas médicas poderá separar o trigo do joio e contribuir para o objectivo final de qualquer prática médica: ganhos em saúde e em bem-estar para os utentes.

Complementaridade sim. Atitudes fundamentalistas do género “eu é que sou o dono exclusivo da verdade”, não!

O autor é médico e professor de Pediatria.

 

Sugerir correcção
Comentar