Medicamento para diabetes associado ao risco de cancro usado em Portugal

Tribunal Federal dos EUA condenou farmacêutica ao pagamento de indemnização histórica de 9 mil milhões de dólares (cerca de 6500 milhões de euros) porque a empresa não informou os doentes sobre riscos de desenvolver cancro da bexiga

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Empresa japonesa já anunciou que vai recorrer da decisão REUTERS/Arnd Wiegmann
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“Se for bem administrado e excluir os doentes em situações de risco”, o medicamento pode ser utilizado, diz o médico Luís Gardete Correia Manuel Roberto

O fármaco que é usado no tratamento de diabetes tipo 2 e está associado ao risco de cancro da bexiga continua a ser comercializado em Portugal. O Autoridade Nacional para o Medicamento (Infarmed) invoca um parecer da Agência Europeia do Medicamento que considera que o benefício da utilização do fármaco compensa o risco identificado. Porém, há já países, como a França, que optaram por o retirar das farmácias. Esta terça-feira, o Tribunal Federal dos EUA condenou a farmacêutica japonesa que produz este fármaco e a empresa responsável pelo marketing do produto ao pagamento de uma multa histórica de 9 mil milhões de dólares por danos morais. As empresas já anunciaram que vão recorrer da decisão.

O médico especialista Luís Gardete Correia, presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, confirma que o medicamento de nome comercial Actos (pioglitazona, nome da substância activa) continua a ser utilizado no tratamento de alguns casos de diabetes de tipo 2 nomeadamente nas situações em que é necessário “diminuir a insulinorresistência”. Quando questionado sobre os riscos do fármaco, Gardete Correia relativiza, explicando que “como qualquer medicamento, também este tem efeitos secundários. É necessário é sinalizar os casos de risco e monitorizar os tratamentos”.

O tribunal norte-americano condenou  a Takeda – maior produtora de fármacos japonesa – e a Eli Lilly – responsável pelo marketing da anterior – a pagar uma multa no total de nove mil milhões de dólares por danos morais depois de considerar que a empresa escondeu o risco de cancro associado à utilização continuada do medicamento Actos (pioglitazona) utilizado para o tratamento da diabetes tipo 2.

A queixa partiu de um diabético que alegou ter desenvolvido cancro da bexiga após um tratamento de cerca de cinco anos em que recorria ao Actos. O doente acusou a Takeda de ter consciência dos riscos que o uso continuado do medicamento implicava e de ter ocultado essa informação e minimizado a sua relevância junto das entidades reguladoras. Em resposta à condenação, Kenneth D. Greisman, presidente do conselheiro geral da Takeda, diz acreditar que “as evidências não suportam a conclusão de que o Actos causa […] cancro da bexiga”.

O Actos continua a ser comercializado em Portugal e na Europa, apesar de, em 2011, o Infarmed ter divulgado os resultados de um estudo levado a cabo pelo Comité de Medicamentos de Uso Humano (CHMP) da Agência Europeia do Medicamento que confirmavam “a existência de um ligeiro aumento do risco de cancro da bexiga em doentes em tratamento com pioglitazona”. Perante este cenário, no mesmo ano, a França resolveu tirar o Actos das farmácias. Dominique Hillaire-Buys e Jean-Luc Faillie, do Departamento de Farmacologia e Toxicologia de Medicina em Montpellier, em França, disseram à revista científica BMJ que podia “claramente ser assumido que a pioglitazona aumenta o risco de cancro de bexiga. Parece também que esta associação poderia ter sido prevista anteriormente”.

Apesar da avaliação, e por ter considerado que num número limitado de doentes não havia alternativas terapêuticas adequadas, o CHMP recomendou que a pioglitazona continuasse disponível como tratamento alternativo, apenas para estas situações.

No seguimento desta situação, a Agência Europeia do Medicamento, deixou, através do CHMP, algumas advertências: a pioglitazona não deve ser prescrita a doentes que tenham, ou tenham tido, cancro da bexiga ou que apresentem factores de risco para tal (idade, tabagismo, exposição a certos químicos) e o acompanhamento a doentes em tratamento com este fármaco deve ser regular, de três em três meses.

Luis Gardete Correia explica que não existe uma substância substituta da pioglitazona no tratamento da diabetes tipo 2 e subscreve as advertências divulgadas pelo Infarmed. “Quando utilizamos este fármaco temos de ter cuidado a quem o prescrevemos”, diz. O médico alerta aqui para a importância de sinalizar situações de risco, como doentes que desenvolvam com frequência infecções urinárias, por exemplo. Contudo, explica que o não tratamento da diabetes comportaria, para o doente, riscos igualmente graves. “Se for bem administrado e excluir os doentes em situações de risco, o Actos pode ser utilizado”, conclui.

Investigadores canadianos centraram-se no estudo dos efeitos do uso continuado de pioglitazona através da análise dos registos médicos de mais de 115.000 pessoas no Reino Unido, que tomaram Actos durante 11 anos. Os resultados revelaram que se verificavam 137 casos adicionais de cancro da bexiga por cada 100.000 pessoas, a cada ano. Os dados disponíveis na edição online da publicação científica BMJ concluíram que se um doente já foi tratado com pioglitazona, está sujeito a um risco 83% mais elevado de desenvolver cancro da bexiga.

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