Ministério da Educação propõe prémio para câmaras que trabalhem com menos docentes

Ligar a componente de financiamento à “boa gestão dos docentes” é a filosofia presente na proposta de “municipalização das escolas”. Dirigentes escolares e Fenprof discordam

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Transferência de competências para os municípios é discutida segunda-feira entre Nuno Crato e FNE Nelson Garrido

“Perigosa” e “desnecessária” é a forma como os dirigentes escolares qualificam a proposta de “municipalização” das escolas que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) tem vindo a negociar com os autarcas de vários concelhos do país.

Tal como o PÚBLICO noticiou na sexta-feira, a proposta de descentralização de competências na área da educação ao nível do básico e do secundário confere aos municípios um papel interventivo na definição da oferta curricular das escolas, dentro das balizas estabelecidas a nível central, assumindo as autarquias totais responsabilidades pelo pessoal não docente e, nalguns casos, também pelos professores. Uma das novidades presentes na proposta é o chamado "factor de eficiência” que premeia as câmaras que trabalhem com um número de docentes inferior ao tido como necessário para o respectivo universo escolar.

Assim, num município em que o número de docentes necessários seja, por exemplo, de 400, mas em que o número real de docentes seja 399, a autarquia passaria a receber um “prémio” de 12.500 euros por ano lectivo. Isto assumindo que esse docente custaria por ano ao ministério 25 mil euros, o custo estimado para um professor em início de carreira.

Essa partilha em 50% do diferencial aplicar-se-ia apenas nos casos em que tal diferença não seja superior a 5% dos docentes considerados necessários. Por outro lado, a partilha do “lucro” só se aplicará caso os resultados escolares não tenham piorado relativamente ao ano anterior.

Pelo contrário, os casos em que o número de docentes ao serviço esteja mais de 5% acima dos tidos como necessários, obrigarão a uma “análise detalhada” por parte de uma comissão de acompanhamento. A filosofia subjacente é ligar a componente de financiamento “à boa gestão dos recursos docentes”.

Trata-se de uma aritmética que “permitirá aos municípios trocar professores em troca de dinheiro”, critica Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), para quem se trata de uma proposta “no limite, muito perigosa”, porque poderia levar alguns autarcas a “criar turmas de 30 alunos para conseguirem poupar nos professores e amealhar mais dinheiro”. O líder da Fenprof, Mário Nogueira, também considera que este “factor de eficiência” tem subjacente “uma intenção de premiar os municípios que consigam reduzir o número de professores”. Sendo que “só o podem fazer à custa de duas coisas”, segundo o sindicalista: “da privatização ou da pior qualidade na resposta educativa”.

À margem das compensações financeiras aos municípios, o representante dos dirigentes escolares discorda do princípio da descentralização de competências aplicada às escolas. “A Educação é um bem fundamental do país, deve continuar nas mãos do Governo. Acho perigosa qualquer experiência que atire isto para as mãos dos autarcas, alguns dos quais, como sabemos, se regem por interesses partidários mais do que pelo superior interesse do município”, disse o presidente da ANDE, dizendo temer que as escolas passem a ser usadas para fins eleitorais.

Quanto aos restantes pontos da proposta, e depois de uma leitura transversal, Manuel Pereira concluiu que “mais do que descentralizar, o que está em causa é retirar autonomia às escolas para as entregar aos municípios”.

Depois de ter vindo a ser negociada em relativo segredo pelo MEC, mas também pelo ministério de Poiares Maduro e pela secretaria de Estado da Administração Local, com os autarcas de municípios como Óbidos, Águeda, Matosinhos, Famalicão, Cascais, Abrantes e Oliveira do Bairro, entre outros, a “municipalização” das escolas começa agora a chegar aos fóruns oficiais. Na segunda-feira, dia 7, a Federação Nacional de Educação (FNE) vai reunir com o ministro Nuno Crato, num encontro de cuja agenda faz parte este processo de transferência de competências. No dia seguinte, aquela federação discutirá o mesmo assunto com a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

O PÚBLICO não conseguiu contactar o líder da FNE, João Dias da Silva. Da Fenprof, porém, Mário Nogueira já lamentou que o MEC tenha ignorado os pedidos de reunião para debater o tema. “O ministério não pode continuar a ignorar a maior organização representativa dos professores”, avisou Nogueira, para acrescentar que no dia 16 cerca de 800 professores vão reunir em Lisboa “para abordar estas matérias"  e que poderá haver uma deslocação ao MEC” para forçar o diálogo.

Em 2008 mais de uma centena de municípios aceitaram responsabilidades acrescidas no pré-escolar e nas escolas do 1º ciclo do básico, nomeadamente quanto aos edifícios, contratação e gestão do pessoal não docente, acção social escolar, incluindo refeições, e Actividades de Enriquecimento Escolar. Tratar-se-ia agora de aprofundar essa transferência, alargando-a aos restantes ciclos do básico e também ao secundário, conferindo também aos municípios poder vinculativo na definição de currículos e na organização das próprias escolas.

O vereador da educação de Matosinhos, um dos municípios onde o processo promete avançar, numa fase-piloto que se deverá prolongar por quatro anos, mostrou-se entusiasmado com a possibilidade de a câmara intervir pedagogicamente nas escolas e considerou mesmo que esta “municipalização” ajudará a resolver assimetrias actuais. “Temos nas escolas funcionários que, por serem da câmara, trabalham 35 horas semanais e outros que por serem do ministério trabalham 40 horas. Isto não tem sentido nenhum. A câmara oferece medicina no trabalho e o MEC não. No feriado de S. João, os trabalhadores da câmara ficaram dispensados de trabalhar e os do ministério não. São desiquilibrios que vamos poder corrigir”, antecipou Correia Pinto

Estes contratos que o Governo pretende firmar com os municípios só deverão fazer-se mediante “forte vontade” dos autarcas mas também da escolas ou agrupamentos. E esta delegação de competências surge desde logo balizada por alguns aspectos. Em primeiro lugar, surge a regra do não aumento da despesa para o MEC. Isto significa, entre outras coisas, que não poderá aumentar o custo médio por aluno. Ao PÚBLICO, o MEC sublinhou que "o que se encontra em curso não é um processo de criação de escolas municipalizadas, mas um processo de descentralização de competências para os municípios na área da educação e formação". E porque "os contactos e as negociações com um conjunto de municípios encontram-se a decorrer" conclui que "é prematuro nesta fase qualquer comentário".

*com Graça Barbosa Ribeiro

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