Maria de Lurdes Rodrigues afinal não prevaricou

Tribunal da Relação de Lisboa absolve antiga ministra da Educação condenada em primeira instância. Participação da juíza relatora deste acórdão em acções de campanha do PS em 2013 chegou a ser debatida no Conselho Superior da Magistratura.

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Maria de Lurdes Rodrigues será julgada neste caso Nuno Ferreira Santos

O Tribunal da Relação de Lisboa absolveu esta terça-feira a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues do crime de prevaricação, pelo qual tinha sido condenada em primeira instância a três anos e seis meses de pena suspensa.

Quando integrou um dos governos de José Sócrates, entre 2005 e 2009, Maria de Lurdes Rodrigues contratou, por ajuste directo, um irmão do ex-ministro socialista Paulo Pedroso para fazer uma compilação legislativa para o Ministério da Educação. Mas o trabalho nunca foi terminado e o advogado João Pedroso teve de devolver parte dos 265 mil euros que lhe foram pagos pelo serviço. Os juízes de primeira instância consideraram provado que a dispensa do obrigatório concurso público foi motivada por afinidades pessoais e político-partidárias: os acusados - quer a então ministra, quer João Pedroso e ainda um terceiro arguido, o secretário-geral do ministério - tinham tido antes cargos de confiança em gabinetes governamentais socialistas. Ao adjudicar o serviço a este advogado, Maria de Lurdes Rodrigues teria "violado conscientemente os normativos legais da contratação pública".

Alterando a matéria provada e não provada na primeira instância, nomeadamente no que respeita a estas afinidades, os juízes do Tribunal da Relação entenderam, porém, que a antiga governante e restantes arguidos não tiveram intenção de beneficiar de forma ilegítima o irmão de Paulo Pedroso. Mesmo que tivessem actuado com negligência ao contratá-lo, no crime de prevaricação de titular de cargo público essa falha não é punível, justificaram os desembargadores Maria José Machado, Carlos Espírito Santo e Cid Orlando.

"Apesar de o Tribunal de Contas ter concluído pela invalidade do contrato de 2007, o que é discutível, excluiu a responsabilidade financeira de Maria de Lurdes Rodrigues, por esta ter decidido em conformidade com as propostas que lhe foram apresentadas pelos serviços" do ministério, pode ler-se no seu acórdão. "Não sendo a arguida jurista de profissão, e sendo certo que as decisões dos ministros na contratação de aquisições de bens móveis ou de serviços é feita, na grande maioria dos casos, pela adesão ou não aos pareceres que lhes são submetidos para despacho, não lhe era exigível (...) que tivesse de ir averiguar em detalhe o que era proposto e se a proposta cumpria ou não as regras legais para a contratação por ajuste directo", acrescentam. 

O facto de a área de especialidade de João Pedroso - indicado à ministra pelo seu colega de Governo Augusto Santos Silva - ser a sociologia jurídica não lhes mereceu grande relevância: "Ainda que ao arguido não fossem conhecidos trabalhos especializados na área do direito da educação, não resultou provado que não tivesse currículo relevante para o trabalho de que foi incumbido". Tal relevância também não encontraram na contratação do advogado pelo ministério uma segunda vez, por um valor muito superior ao inicial, depois de ele ter falhado a tarefa a que se tinha comprometido no primeiro contrato: "Foram aceites pela arguida as razões apresentadas para a não conclusão do trabalho, sinal de que as metas por ela traçadas haviam sido excessivas".

Uma vez que a pena inicialmente aplicada aos arguidos foi inferior a cinco anos, o Ministério Público não poderá recorrer dela para o Supremo Tribunal de Justiça. Para o advogado de Maria de Lurdes Rodrigues, Alexandre Mota Pinto, a decisão dos juízes da Relação é "esmagadora" nas críticas que faz à condenação da primeira instância. "Como é possível ter sido pronunciada, acusada e condenada em primeira instância?!", interroga-se. Contactada pelo PÚBLICO, a ex-ministra disse que não ia, pelo menos para já, tecer considerações sobre a sua absolvição.

A participação da relatora deste acórdão, a juíza Maria José Machado, em acções de campanha eleitoral do PS em Albufeira em 2013, autarquia a que o seu marido era na altura candidato, chegou a ser debatida no Conselho Superior da Magistratura, uma vez que está vedada aos magistrados judiciais a prática de actividades político-partidárias de carácter público."Não fiz campanha, apenas estive presente em três situações como mulher do candidato, porque achei que era esse o meu dever", alegou então a juíza, em declarações ao Diário de Notícias.

 

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