A doença do legionário não é rara mas este surto é invulgar

Mais de mil internamentos e 86 mortes nos últimos nove anos.

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Piscinas, balneários, jacuzzis ou gabinetes de hidromassagem são locais favoráveis ao aparecimento da bactéria. PÚBLICO

Nunca o país teve tantos diagnósticos de infecção por legionella, de uma só vez e num só local. Não se pode dizer que a doença é invulgar: entre 2004 e 2013, 1188 pessoas foram internadas — 86 delas morreram. O que está a espantar os especialistas é a dimensão do surto detectado na última sexta-feira em Vila Franca de Xira.

A doença foi descrita pela primeira vez em 1977: no ano anterior, legionários participaram numa conferência, num hotel, em Filadélfia, nos Estados Unidos, e apanharam uma pneumonia severa. Por causa daquele surto, a bactéria ganhou o nome de legionella e a doença de legionário.

Em Portugal, a doença é de declaração obrigatória desde 1999. E a Direcção-Geral da Saúde (DGS) coordena, desde há dez anos, um programa de vigilância epidemiológica integrada no qual participam as autoridades de Saúde, os serviços de patologia clínica da rede hospitalar e diversos laboratórios. Até agora, o pior ano fora 2012, com um total de 153 internamentos e 12 óbitos. Este ano, o país já contara 88 diagnosticados.

A doença pode ser mais frequente do que a estatística da DGS mostra. Apesar do cuidado, muitas pneumonias deste e de outros tipos, diz o pneumologista Agostinho Marques, não são registadas. E 80% das pneumonias são tratadas em ambulatório — só 20% resultam em internamento. 

“Temos muitos casos por ano, mas isolados”, comenta Agostinho Marques. A bactéria existe na natureza. “Costumam ser meia dúzia de situações. Suponhamos um hotel: muita gente a tomar duche ao mesmo tempo.”

O médico de saúde pública Mário Carreira corrobora. E exemplifica: a pessoa tem uma casa de férias no campo ou na praia; durante meses, não a usa, a água fica parada nos canos; quando vai tomar duche pela primeira vez, pode deparar-se com a bactéria. A infecção transmitir-se-á, então, por inalação de gotículas de água.

“Há muito para investigar”
Perante o número de casos detectados até agora, Agostinho Marques levanta a possibilidade de o foco de contaminação ser a rede de distribuição de água. “Não me lembro de um surto tão grande. Também tem a ver com o sistema de saúde ser melhor — conseguir identificar mais casos.”

“Há muito para investigar”, diz Mário Carreira. Vila Franca de Xira não é uma extensão de terra no meio de nada. “Há muitas unidades fabris, muitos armazéns, muitas torres de refrigeração.” Quem sabe quanto tempo podem as autoridades tardar a encontrar o foco de contaminação? “Até podem nunca o encontrar. “Não descobrir o foco de infecção não significa eternizá-lo, explica Mário Carreira. O foco pode, simplesmente, deixar de estar activo.

Ao longo do dia de sábado e domingo foram recolhidas amostras de água em reservatórios públicos, num hotel e em várias fábricas. Por prevenção, os reservatórios foram também desinfectados e a água que abastece as zonas mais atingidas recebeu cloro. Neste domingo, as autoridades continuaram a inspeccionar empresas.

Pelo número de pessoas infectadas, o mais provável é que [a fonte da bactéria] seja a frequência de um sítio qualquer onde haja um ar condicionado, onde haja uma fonte onde tenham ido dezenas de pessoas", arriscou Mário Durval, presidente da Assembleia Geral da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), à agência Lusa. Deposita esperança no inquérito epidemiológico, ou seja, no estudo do histórico das pessoas que foram infectadas pela bactéria.

O professor de Saúde Pública Adalberto Campos Fernandes também está expectante com o que o inquérito epidemiológico possa revelar. Em declarações à Lusa, apelou a que "a população mantenha níveis de tranquilidade", alegando não haver “motivo para que se entre em pânico". Em seu entender, "a DGS tem tido um comportamento irrepreensível". "A resposta assistencial tem sido adequada."

Também o infecciologista Fernando Maltez defendeu que "a DGS e os organismos oficiais estão a tratar do assunto com máxima responsabilidade, a desencadear os meios necessários para se chegar à causa da epidemia e a acautelar o tratamento adequado para doentes infectados".

"As dificuldades [em detectar a origem da bactéria] são proporcionais às dimensões desta epidemia e à extensão geográfica a que dizem respeito os doentes envolvidos", declarou à Lusa. Se o surto tivesse afectado mais doentes mas estivesse localizado geograficamente, "seria mais fácil identificar a fonte", explicou. "É preciso encontrar nos indivíduos infectados um traço comum."

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