Mais de metade das vítimas de violência no namoro tem mais de 25 anos

O ano passado 484 pessoas que se queixavam de agressões dos namorados ou dos ex-namorados realizaram exames periciais no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.

A seguir aos roubos, a violência doméstica constituiu a tipologia criminal mais participada PÚBLICO

Mais de metade (51%) das vítimas de violência no namoro que o ano passado realizaram exames periciais no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) têm mais de 25 anos. Ao todo foram 484 os casos analisados no instituto em 2014, sendo mais de três quartos dos queixosos do sexo feminino. Os números foram divulgados esta quinta-feira numa conferência realizada na Universidade de Coimbra, intitulada E se a escola do namoro formasse profissionais em violência.

Isoladamente a faixa etária dos 18-25 é a que apresenta um maior número de queixosos, com 41% (198) das 484 vítimas que afirmaram terem sido agredidos por namorados ou ex-namorados. Mas a faixa que mais preocupa o vice-presidente do INMLCF, João Pinheiro, é a dos 14 aos 17 com 35 casos, que representam 7,2% do total. “Há miúdos de 14 anos a queixarem-se de terem sido vítimas de agressões dos namorados ou ex-namorados”, sublinha o médico, num tom de indignação. E alerta: “Estes comportamentos são preditores de violência doméstica mais tarde”.

Para João Pinheiro, que realizou a apresentação com o colega César Santos, o perfil das vítimas mostra que o namoro é um fenómeno que abarca todas as idades, destacando, por exemplo, os 16 casos que visam ofendidos com mais de 50 anos. “Infelizmente os números também mostram que todas as idades são boas para bater”, lamenta o vice-presidente daquele instituto. <_o3a_p>

Na contabilidade feita pelo INMLCF apenas foram seleccionadas as vítimas sujeitas a exames médico-legais que afirmaram expressamente que o agressor tinha sido o namorado ou o ex-namorado, excluindo-se da amostra todos os casos de violência conjugal (dentro do casamento ou de uniões de facto) e todos os outros em que não há informação sobre o agressor. <_o3a_p>

O vice-presidente do INMLCF acredita que os 484 casos que chegaram até ao instituto são apenas uma “ponta do iceberg”, pois implicam a denúncia da situação. “Isto são apenas os que chegaram até nós”, realça, reconhecendo que, devido a um problema nos sistemas informáticos do instituto, não foi possível contabilizar os dados de algumas regiões do país. “É o caso do distrito de Vila Real, onde fica o extinto gabinete médico-legal de Chaves, e dos concelhos de Sintra ou de Cascais”, especifica. <_o3a_p>

Mesmo assim, estes números representam um avanço significativo no conhecimento da violência no namoro, já que é a primeira vez que o INMLCF os contabiliza. Daí que não é possível fazer comparações com anos anteriores. A análise foi particularmente trabalhosa, explica João Pinheiro, porque obrigou a uma avaliação quase caso a caso dos 25.427 casos de violência (doméstica e de outros tipos) que levaram à realização de exames periciais no instituto em 2014. A conclusão é que deste universo quase 2% dizem respeito a violência no namoro. Nestes casos, 88% dos queixosos são mulheres e 12% homens. Cinquenta e quatro por cento eram ex-namorados e 46% aconteceram dentro da relação de namoro.

Os murros (174) são a forma de agressão mais frequentemente reportada, seguida pelas bofetadas (144)) e pelos apertões (115). Os pontapés foram referidos por 111 ofendidos e 75 dizem ter sido vítimas de quedas. Trinta e seis vítimas dizem ter sido esganadas, um número que preocupa João Oliveira, que salienta que os apertos de pescoço são muito perigosos porque afectam uma zona sensível que, mesmo sem muita força do agressor, podem causar a morte. <_o3a_p>

Madalena Duarte, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e outra das participantes na conferência, alerta que estes números só mostram extremos. “Provavelmente devido a uma questão cultural os estudantes universitários mostram uma enorme falta de consciência de que estão a ser vítimas de actos abusivos”, salienta, com base num estudo que realizou em finais de 2013 junto de estudantes da Universidade de Coimbra. “Os jovens associam muito a violência domésticas à geração dos seus pais e dos seus avós e acham que isso não acontece na sua geração. Muito menos numa população instruída como a que frequenta o ensino superior”, constata. <_o3a_p>

A investigadora nota ainda que quando são confrontados com casos próximos de amigos ou colegas os universitários têm uma grande dificuldade em se intrometer e desconhecem por completo que podem ser eles a fazer a denúncia, já que estamos perante um crime público. “Ainda perdura a ideia de que se deve respeitar a intimidade da vida do casal”, lamenta, sublinhando que este grupo aceita facilmente factores desculpabilizantes como o stress da época de exames ou o excesso de álcool. <_o3a_p>
 

 

 

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