Mais de 300 mil portugueses com mais de 60 anos já foram vítimas de violência

Projecto Envelhecimento e Violência inclui dois estudos. Se no primeiro a violência financeira e a psicológica se destacam, no segundo comprova-se que muitos idosos já foram vítima de mais do que um tipo de violência.

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Nas pessoas com mais de 76 anos, o risco de se ser vítima aumentou 10% por cada ano

Um estudo sobre violência revela que 12,3% da população portuguesa, com mais 60 anos, já foi vítima de, pelo menos, um tipo de violência por parte de um familiar, amigo, vizinho ou um profissional. O estudo populacional sobre a violência, baseado numa amostra de 1123 pessoas, faz parte do Projecto Envelhecimento e Violência, promovido pelo Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge e os resultados foram apresentados nesta terça-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

De acordo com o estudo, estima-se que, entre Outubro de 2011 e Outubro de 2012, este problema tenha afectado cerca de 314291 pessoas com mais de 60 anos a residir em Portugal. A violência financeira e a psicológica foram as mais frequentes, afectando 6,3% da população com mais de 60 anos. No caso deste estudo, entre as pessoas com mais de 60 anos que foram vítima de situações de violência, a maioria (72,1%) vivenciou um único tipo de violência, e cerca de 3,4% referiu ter sido alvo de mais do que um tipo de violência. No entanto, este projecto inclui um outro estudo que aponta para mais casos de idosos que foram alvo de vários tipos de violência em simultâneo.

De acordo com as conclusões do estudo populacional, nas pessoas com idade superior a 76 anos, o risco de se ser vítima aumentou 10% por cada ano. Para além disso, nas pessoas que precisam de ajuda nas actividades da vida diária o risco foi o dobro do apresentado pelos indivíduos independentes.

Concluiu-se também que a escolaridade foi um factor protector da violência. Quem concluiu o 2º e 3º ciclos está em menor risco: o risco de ser vítima de violência para este grupo é 83% inferior aos dos indivíduos sem escolaridade.

Considerando a violência no global, os principais agressores foram outros familiares (27%), descendentes (16,1%), (ex)cônjuges ou (ex)companheiros (13,4%), amigos/vizinhos (11,6%). No estudo, 13,5% recusou identificar o agressor. No entanto, centrando o olhar na violência financeira, os descendentes surgem em primeiro lugar (26,1%). Já na psicológica, os outros familiares destacam-se, com 37,4% dos casos. A violência física é sobretudo perpetrada pelos (ex)cônjuges ou (ex)companheiros – 56,4% das situações.

O estudo revela ainda que cerca de 64,9% das vítimas de crime e violência não falou nem contactou ou apresentou queixa sobre a situação vivida. Quando procurou ajuda, 20,7% dirigiu-se às forças de segurança e 4,5% procurou ajuda junto de um profissional de saúde. Alguns dos principais motivos evocados pelas vítimas para não denunciarem ou apresentarem queixa foram considerar que o incidente foi irrelevante (38,1%), a importância da família e dos laços afectivos com o agressor foi referida em 10,5% casos, bem como o medo, apontando por 5,9% dos idosos.

Este estudo teve, entre outros, como objetivo estimar a prevalência de pessoas com 60 e mais anos na população portuguesa sujeita a violência (física, psicológica, financeira, sexual e negligência), em contexto familiar, nos 12 meses anteriores à realização da entrevista.

Predomínio das mulheres

O projecto Envelhecimento e Violência inclui, no entanto, além deste estudo populacional sobre a violência, um outro sobre as vítimas de violência que compreendeu uma amostra mais pequena, de 510 vítimas de violência, com mais de 60 anos, residentes em domicílios particulares em Portugal e sinalizadas pelas entidades parceiras do projecto.


Já neste segundo estudo, no que toca à caracterização das vítimas, predominam as mulheres (76,1%) e o grupo etário dos 60 aos 69 anos (49,8%). Mais de metade dos participantes era casada (61,5%) e vivia num núcleo familiar composto sobretudo por duas pessoas (57,2%). 65,7% tinha o ensino básico, 22,9% não tinha escolaridade, 78,8% estava em situação de reforma e auferia um rendimento baixo, até 500 euros (66,4%). Cerca de um terço das vítimas (23%) tinha dificuldade na realização de pelo menos uma das actividades da vida diária e 76,3% referiu ter pelo menos uma doença crónica.

Nesta amostra, porém, as pessoas apontaram com mais frequência terem sido vítimas de violência física (87,8%), seguindo-se a psicológica (69,6%) e a financeira (47,5%). As agressões ocorreram mais do que uma vez e a maioria foi vítima de múltiplos tipos de violência (74,1%). As formas de violência que mais se destacaram foram o “bater/agredir”, referido em 89,2% dos casos, o “gritar” em 78%, o “ameaçar” em 48,3%, o "ignorar" em 47,4% e o "roubo" em 46,4% situações.

Os principais agressores de violência física e psicológica foram, neste segundo estudo, (ex)-cônjuges ou companheiros, seguidos dos descendentes. Também na violência financeira, os descendentes, (ex)cônjuges ou (ex)companheiros são os principais agressores.

Os parceiros do projecto Projecto Envelhecimento e Violência, que decorreu entre 2011 e 2014 e foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, são o Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, o Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, o Instituto da Segurança Social, e a Guarda Nacional Republicana.

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