Mais de 160 trabalhadores da extinta Empresa Nacional de Urânio já fizeram exames médicos

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O risco de radioactividade ainda é uma realidade apesar das minas terem encerrado Sérgio Azenha

Mais de 160 antigos trabalhadores da extinta Empresa Nacional de Urânio (ENU) foram até hoje submetidos a consultas e exames médicos no âmbito do programa de intervenção em saúde iniciado em Novembro do ano passado. Estes exames médicos eram há vários anos exigidos ao Governo pelos antigos trabalhadores da ENU - que estava sedeada na Urgeiriça, freguesia de Canas de Senhorim (Nelas) - atendendo aos riscos da radioactividade do urânio e ao facto de muitos colegas terem morrido com doenças cancerígenas.

O delegado de saúde de Nelas, Bernardino Campos, da equipa coordenadora do programa, disse à Agência Lusa que, desde 7 de Novembro, o número de antigos trabalhadores que voluntariamente se propõem a fazer os exames médicos "está constantemente a crescer", situando-se actualmente em mais de 160.

Bernardino Campos explicou que "mais de 90 por cento são antigos trabalhadores que vivem no concelho de Nelas", acrescentando que há também alguns dos concelhos de Mangualde, Guarda, Sabugal, Pinhel e Belmonte.

"Enviámos para centros de saúde que terão mais interesse no assunto uma carta aos directores e aos médicos de família e um aviso a explicar como funciona o programa para ser afixado num sítio público, mas tem vindo muito pouca gente de lá", contou.

O programa envolve também o Departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) e o Hospital São Teotónio, de Viseu.

Os antigos trabalhadores da ENU são inicialmente atendidos pelo médico de família no centro de saúde, onde respondem a um inquérito sobre o seu historial clínico e profissional, sendo-lhes depois dadas indicações para estarem em determinado dia no hospital de Viseu, para uma consulta de Medicina Interna, que visa fazer uma avaliação clínica com realização de exames complementares de diagnóstico.

"Se os trabalhadores optarem por fazer o inquérito num centro de saúde que não seja de Nelas, este é depois remetido para nós, que centralizamos as marcações em Viseu", explicou Bernardino Campos.

O médico frisou que todos os antigos trabalhadores da ENU podem integrar este programa, "independentemente de onde vivam", podendo mesmo ser submetidos aos exames no hospital da sua área, depois de "pedirem instruções ao grupo de trabalho de Nelas ou ao hospital de Viseu".

O porta-voz da comissão de antigos trabalhadores da ENU, António Minhoto, disse à Lusa que a adesão de cerca de metade dos 300 colegas que ainda estarão vivos e em condições de integrar o programa de saúde, demonstra que esta era uma questão fundamental para eles.

"Havia uma necessidade urgente destes exames, para que vidas fossem salvas", frisou, lamentando, no entanto, que tenham de ser os trabalhadores a fazer o trabalho de mobilização dos colegas que vivem fora de Nelas.

Na opinião de António Minhoto, "a informação tem estado a passar de uma forma um bocado arcaica", defendendo que deveria ter sido a própria ARSC a, logo de início, distribuir informação por todos os centros de saúde da sua área de intervenção.

"Tem sido a comissão de trabalhadores que, junto do delegado de saúde, tem insistido para que sejam enviados os inquéritos e a informação para outros centros de saúde", contou.

António Minhoto lamenta ainda a demora para marcar quer o primeiro atendimento no centro de saúde, quer depois os exames no hospital: "no meu caso, estava a tentar há cerca de dois meses ser atendido no centro de saúde, o que aconteceu a 07 de Fevereiro, e agora só vou ao hospital no dia 28 de Março".

Bernardino Campos rejeitou atrasos, garantindo que o programa "está a funcionar muito bem", sendo habitualmente atendidos no hospital de Viseu vinte antigos trabalhadores por semana, quando inicialmente apenas estavam previstos dez.

Acrescentou que o centro de saúde de Nelas "tem sempre inquéritos de mais pessoas do que o hospital consegue receber, para que alguma falha não implique uma quebra do ritmo em Viseu".

"Futuramente é que teremos um problema: depois de acabarem os voluntários, como vamos à procura dos outros?", questionou o médico, contando que os contactos já feitos com a Segurança Social e a Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM) não tiveram êxito, porque "não há dados actualizados".

A ENU, que desde 1977 teve a seu cargo a exploração de urânio em Portugal, com minas a funcionar nos distritos de Viseu, Guarda e Coimbra, chegou a ter 614 trabalhadores.

A empresa de capital exclusivamente público entrou em processo de liquidação em 2001, numa altura em que tinha ainda 44 trabalhadores, e encerrou definitivamente no final de 2004, com apenas três.

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