Maioria dos portugueses ainda acredita que antibióticos devem ser usados em gripes e constipações

Novo Eurobarómetro mostra que campanhas não estão a ser suficientes para contrariar o mau uso destes medicamentos: 69% dos portugueses inquiridos continuam a acreditar que os antibióticos servem para matar vírus e 61% acham que são indicados para constipações e gripes.

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A maior parte dos conselhos a alertar para o mau uso chegaram pelos profissionais de saúde Paula Abreu

Apesar das campanhas a alertar para os perigos do abuso do consumo de antibióticos e para a importância de estes medicamentos serem utilizados apenas com prescrição médica, muitos mitos continuam a persistir entre os portugueses: 69% dos inquiridos num estudo continuam a acreditar que os antibióticos servem para matar vírus e 61% acham que são indicados para o tratamento de constipações e gripes.

Em ambos os casos, os números melhoraram em relação a 2009 (menos nove pontos percentuais na primeira resposta e menos 12 na segunda), mas ficam muito acima da média da Europa a 27, onde 49% das pessoas acreditam que os antibióticos são eficazes contra os vírus e 41% nas outras doenças mencionadas. Os dados fazem parte da edição especial do Eurobarómetro — realizado pelo organismo de estatísticas da União Europeia — divulgado nesta sexta-feira sobre “Resistência Antimicrobiana”.

O trabalho do Eurobarómetro contou com 26.680 entrevistas nos 27 países entre Maio e Junho deste ano. Em Portugal, a amostra foi de 1007 pessoas. Entre os inquiridos, 38% tinham tomado antibióticos nos últimos 12 meses (mais 3% que na média europeia e mais 5% do que em 2009, o que vai em linha contrária com a tendência de queda europeia). Além disso, verifica-se uma grande diferença entre géneros, com as mulheres a representarem 43% do total.

Ainda alguns acessos sem receita
Apesar do desconhecimento sobre as situações em que os antibióticos são adequados, há um dado positivo mas que também piorou cinco pontos percentuais em relação a 2009, com 88% dos portugueses a responderem que tomaram estes medicamentos mediante prescrição médica — que é, aliás, obrigatória. A média europeia fica ligeiramente abaixo, mas manteve-se: 87%. Ainda houve 2% de pessoas que assumiram tomar antibióticos que tinham em casa de vezes anteriores e 3% que conseguiram comprá-los na farmácia sem receita.

Questionados sobre a última razão pela qual tomaram um antibiótico, em Portugal a maior parte dos inquiridos (22%) responderam que foi devido a uma gripe, 15% por garganta inflamada, 11% por constipação, 9% por bronquite e 6% por infecção urinária. Um cenário diferente do europeu, onde há um empate a 18% entre bronquites e gripes, seguidos de 13% de pessoas a responderem constipações, 11% garganta inflamada e 9% infecção urinária.

Ainda nas perguntas relacionadas com o conhecimento destes fármacos, 79% dos portugueses (contra 84% dos europeus) disseram saber que o uso desnecessário faz com que os antibióticos percam o seu efeito. Mas, mais uma vez, os dados em Portugal revelam uma quebra de cinco pontos percentuais. Da amostra portuguesa, as pessoas entre os 25 e os 39 anos foram as que responderam mais acertadamente, tendo pelo menos completado o ensino secundário e dito que receberam informação sobre o tema.

Informação não está a chegar aos cidadãos
Alguns dos resultados parecem não estar a melhorar, em parte porque a informação não está a chegar por todos os canais aos cidadãos. Por exemplo, no último ano só 12% dos portugueses inquiridos se lembram de ter recebido informação sobre o mau uso de antibióticos ou o facto de não servirem para gripes e constipações, quando a média na Europa a 27 é de 33%. Além disso, entre os portugueses estão a ser os médicos (40% dos casos, contra 27% na União Europeia) e outros profissionais de saúde a passar mais as mensagens, sendo os casos de alertas nos meios de comunicação social muito menos mencionados do que em outros países.

Em geral, em relação aos 27 países, o relatório demonstra que desde 2009 o consumo de antibióticos tem vindo a cair na maior parte dos países, a par com o aumento de campanhas de sensibilização para a importância de utilizarmos correctamente estes medicamentos. O problema, alerta o Eurobarómetro, é que mesmo assim os dados revelados pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças mostram que são cada vez mais os casos de bactérias que não respondem aos antibióticos — as chamadas bactérias multirresistentes.

A Comissão Europeia está a explorar, através de 15 novos grupos de investigação, novas formas de harmonizar regras, recolher dados e chegar às melhores práticas para contrariar esta tendência, também no campo da agricultura e da alimentação animal, que coloca em risco a saúde pública. “Estou seriamente preocupado com o facto de os antibióticos, que nos permitiram no passado tratar infecções bacterianas mortais e salvar muitas vidas, estejam agora a ficar cada vez menos efectivos”, afirmou, num comunicado, o comissário europeu da Saúde, Tonio Borg.

Dados em linha com relatório nacional
Os números do Eurobarómetro para Portugal estão em linha com as preocupações do Ministério da Saúde e da Direcção-Geral da Saúde e com alguns dados recentemente publicados. De acordo com o relatório Portugal: Controlo de Infecções e Resistência aos Antimicrobianos em Números 2013, apresentado no dia 31 de Outubro, Portugal é o sétimo país europeu onde se consomem mais antibióticos fora do hospital, mas o seu uso em meio hospitalar também é excessivo, estando 12,7% acima da média europeia.

Um dos problemas detectados é a nível hospitalar. Quando se é operado, dá-se por norma antibiótico para prevenir a infecção, mas o que se constata é que a sua administração se prolonga por tempo excessivo. A toma devia ser inferior a 24 horas, mas em 64% dos casos é superior. Nesse sentido, vai ser emitida uma norma a tornar regra uma administração que não vá além daquele período. Portugal tem uma taxa de consumo de antimicrobianos em meio hospitalar de 45,4%, muito acima da média comunitária, de 32,7%.

O tema dos antibióticos tem estado na agenda das autoridades de saúde em Portugal, já que o país também está entre aqueles onde a resistência das bactérias a estes medicamentos mais tem aumentado entre humanos. Em Fevereiro, o Governo atribuiu mesmo o estatuto de programa nacional prioritário às infecções e às resistências aos antibióticos e a Direcção-Geral da Saúde comprometeu-se a estar mais atenta ao que os médicos prescrevem.

Nos relatórios do Sistema Europeu de Vigilância da Resistência aos Antimicrobianos (EARS), Portugal surge, ano após ano, no grupo dos dez países europeus que mais consomem antibióticos. Esse consumo excessivo será, precisamente, um dos principais alvos do programa nacional prioritário.

Por outro lado, Portugal continua também com um dos valores mais elevados entre 28 países de uma perigosa bactéria conhecida por MRSA (Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus) e associada a infecções adquiridas em meio hospitalar. A resistência aos antibióticos é um dos mais preocupantes problemas de saúde pública, criado em grande parte pelo uso e abuso desta arma terapêutica. Os doentes infectados com estas bactérias resistentes têm opções limitadas de tratamento, exigindo um maior esforço (financeiro e não só) dos sistemas de saúde. Muitas vezes, resultam em estadias prolongadas nos hospitais e mesmo em morte.

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