Magistrados denunciam ruptura nos tribunais de Lisboa por falta de funcionários

Juíza presidente diz que "há processos que não andam" e que os direitos das pessoas estão em causa. Conselho consultivo da comarca alerta para "bloqueio" se a situação não se resolver.

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Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ainda presidiu ontem ao Conselho Superior de Magistratura MIGUEL MADEIRA

Seis meses após a entrada em vigor do novo mapa judiciário, o Conselho Consultivo da Comarca de Lisboa, órgão criado pela nova reforma, avisa que os tribunais da capital estão à beira da ruptura por falta de funcionários. A continuar assim, avisam os magistrados, a situação “levará a que, previsivelmente, em muitas instâncias se atinjam, a breve trecho, situações de bloqueio e pré-ruptura”.

“A situação é caótica. Há processos que não andam porque não há ninguém para os tramitar. Faltam funcionários e esta situação coloca em causa o cumprimento dos prazos de processos na área das execuções e família e menores, onde as situações são urgentes. Estão em causa os direitos das pessoas”, referiu ao PÚBLICO a juiz-presidente da comarca de Lisboa, Amélia Almeida.

A juíza que integra aquele órgão não tem também dúvidas em apontar criticas à reforma. “Neste momento, em relação a isto a reforma está a falhar”, considera a juíza dando conta de que "o que aconteceu foi que o quadro de funcionários foi adaptado no papel aos funcionários que passaram a existir”.

Numa acta aprovada esta sexta-feira, à qual o PÚBLICO teve acesso, o conselho consultivo garante verificar-se “uma enorme escassez de funcionários judiciais” que “resulta da redução do número de lugares do quadro legal, agravado pela aposentação ou saída, por outros motivos, de funcionários”. Nas contas daquele órgão, a redução de funcionários, após a implementação da reforma, foi de 10%.

Este alerta surge uma semana depois de a procuradora-geral distrital do Porto, Raquel Desterro, ter considerado, num relatório da Procuradoria, que também no Porto é “verdadeiramente dramática” a carência de funcionários em todas as comarcas do distrito judicial do Porto falando mesmo em “situações de verdadeira ruptura” nos tribunais da região.

Existem actualmente 1100 funcionários na comarca de Lisboa, menos 50 que os previstos pelo quadro de funcionários estabelecido. “Antes da reforma existiam 1240, um número que foi reduzido. O número ideal seria o de 1300. A situação é muito preocupante”, diz também o coordenador do Ministério Público na comarca, José Branco.

Além da juíza presidente, o conselho consultivo integra também o coordenador do Ministério Público (MP) na comarca, o administrador judiciário, representantes dos juízes, do MP, funcionários judiciais e da Ordem dos Advogados, solicitadores, Câmara de Lisboa e Alcochete, da DECO – Associação de Defesa do Consumidor e da União de Misericórdias de Lisboa.

“Por outro lado, o quadro actual de funcionários não obedece também ao fixado pela portaria 1654/2014 de 21 de Agosto que estabelece os critérios objectivos para a distribuição de pessoal oficial de justiça e demais trabalhadores em função do número de processos pendentes, estando desfasado das reais necessidades da comarca em cerca de 30%”, lê-se no documento.

A comarca de Lisboa irá informar o Ministério da Justiça, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, a Direcção-Geral da Administração da Justiça e a Provedoria de Justiça. “A situação tem de ser resolvida com urgência. Esperamos que essas entidades tomem uma posição”, acrescenta a Amélia Almeida.

Segundo a juíza, Lisboa concentra cerca de um quarto dos processos existentes a nível nacional, tendo aproximadamente 650 mil processos pendentes. Destes, 350 mil são acções executivas (processos de penhoras/dívidas), mais de 60 mil das quais em Almada.

O Ministério da Justiça remeteu para a resposta já anteriormente dada a propósito do alerta da procurador-geral distrital do Porto na qual lembrou ter aberto em Janeiro um concurso para admitir 600 oficiais de justiça. “Faltam 1200 funcionários e só abrem vagas para 600 num concurso que até agora não passou de um anúncio no Diário da República”, lamentou o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge.

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