Lurdes Rodrigues começa a ser julgada por crime que lhe pode valer até oito anos de cadeia

Acusação diz que contratação de serviços de irmão de Paulo Pedroso não teve base legal e fala em afinidades político-partidárias entre os arguidos.

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A antiga ministra da Educação chamou como testemunhas antigos governantes como Augusto Santos Silva, Marçal Grilo ou David Justino Rui Gaudêncio

A antiga ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues começa a ser julgada nesta quinta-feira por ter gastado 265 mil euros a contratar o irmão do dirigente socialista Paulo Pedroso para que este fizesse uma compilação da legislação portuguesa sobre o ensino. É acusada de prevaricação de titular de cargo político, crime cuja moldura penal oscila entre os dois e os oito anos de cadeia — tal como sucede com os restantes arguidos neste processo, incluindo João Pedroso.

Os factos remontam ao período entre 2005 e 2008, altura em que a então governante socialista resolveu contratar, por ajuste directo, os serviços do advogado João Pedroso, que por sua vez chamou também para o ajudarem na tarefa um estagiário do seu escritório e um filólogo que havia trabalhado no Ministério da Educação.

O despacho de pronúncia dos arguidos diz que não existe nenhum registo de que Maria de Lurdes Rodrigues tenha tentado apurar se a tarefa que entregou ao grupo de trabalho podia ter sido desempenhada por pessoal do Ministério da Educação. Várias testemunhas abonatórias de peso — os seus antecessores Augusto Santos Silva e Marçal Grilo, que integraram governos socialistas, mas também David Justino, do PSD — deverão confirmar em tribunal que não havia, de facto, juristas suficientes na casa para levar a cabo semelhante missão. A antiga governante terá, porém, de explicar ainda aos juízes por que motivo não foi aberto um concurso público para o efeito, até porque o irmão de Paulo Pedroso não tinha nenhuma especialização que lhe desse vantagem relativamente a outros colegas seus de profissão. “É claro que a tarefa seria melhor prosseguida por juristas especializados em direito da educação”, refere a acusação, acrescentando que o próprio João Pedroso acabou por ser apanhado de surpresa pela magnitude do trabalho que lhe tinha sido entregue.

A acusação menciona ainda a “total ausência de fiscalização”, por parte da tutela, do cumprimento dos serviços adjudicados, realçando a afinidade político-partidária entre os arguidos, todos da esfera política do PS. Também arguida neste processo, a chefe de gabinete de Maria de Lurdes Rodrigues havia sido, anos antes, assessora do então ministro do Trabalho, Paulo Pedroso, tendo nessa altura, em 2001, trabalhado na dependência hierárquica de João Pedroso quando este dirigia o Instituto de Solidariedade e Segurança Social.

O advogado da antiga ministra, Godinho de Matos, socorre-se da ironia para responder a estas acusações: “A partir de agora, passa a ser um elemento que consubstancia o dolo penal, ou seja, passa a ser parte da demonstração da vontade de praticar um crime o ser-se membro de um partido e terem-se desempenhado funções públicas”, pode ler-se na contestação que apresentou em tribunal. Para a defesa de Maria de Lurdes Rodrigues, a separação de poderes não permite aos tribunais aquilatar da competência técnica das nomeações feitas pelos membros do Governo.

Este processo surgiu depois de uma notícia do PÚBLICO ter dado conta da forma como a governante tinha contratado João Pedroso e de como o seu trabalho se resumia praticamente a meia centena de pastas cheias de fotocópias do Diário da República e de índices dos diplomas fotocopiados.
 

Notícia corrigida às 13h15. Foi substituído o nome de Paulo Pedroso, escrito por lapso no último parágrafo, pelo de João Pedroso.

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