Liga Contra o Cancro preocupada com atraso nos diagnósticos e acesso a fármacos

Carência de médicos de família e atrasos em exames complementares de diagnóstico são duas das principais causas, defende o presidente do Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Mas o director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas contrapõe que os dados não corroboram esta versão.

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Para a Liga uma das principais dificuldades é criada pela falta de médicos de família Paulo Ricca/Arquivo

As assimetrias entre o interior e o litoral e a carência de médicos de família em muitas zonas do país estão a traduzir-se em atrasos no diagnóstico de vários cancros, como os tumores do aparelho digestivo e urinário, mas também alguns casos de cancro da mama. O alerta é deixado por Vítor Veloso, presidente do Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro, que vai abordar o assunto nesta sexta-feira no âmbito do II Congresso Nacional de Prevenção Oncológica e Direitos dos Doentes.

O médico diz que “há muitos diagnósticos tardios”, que resultam do facto de “os alicerces do nosso Serviço Nacional de Saúde não funcionarem bem, o que faz com que tudo o resto funcione mal” – numa referência aos cuidados de saúde primários e à carência de profissionais neste nível de acesso. “É a diferença entre um cancro ser perfeitamente curável numa fase inicial ou mortal num estado muito avançado. É a diferença entre a vida e a morte, ou uma sobrevivência curta e sem qualidade de vida ou longa e com qualidade”, insiste.

Vítor Veloso explica que não há uma base de dados que permita quantificar a “percepção de quem está no terreno”, já que o foco em termos de indicadores está quase sempre na espera da cirurgia, “o que acontece após o diagnóstico e há muitos doentes que esperam demasiado tempo por um simples exame complementar”. As colonoscopias são apenas um dos casos, garantindo o representante da Liga que há mais.

“O doente oncológico é muito maltratado do ponto de vista dos direitos. Eles existem, mas há uma teia burocrática de tal modo grande que praticamente não se consegue nunca obter o que está consagrado por lei”, resume Vítor Veloso, que dá como exemplo o facto de as pessoas, já após o diagnóstico, ainda “receberem tratamentos diferentes consoante o hospital a que recorrem, pelo que não se pode falar em equidade”. O problema do acesso aos chamados medicamentos inovadores será, por isso, outro dos temas em cima da mesa no congresso promovido pela Liga Portuguesa Contra o Cancro. “A rede de referenciação não funciona de maneira nenhuma, é uma rede escrita no papel”, acusa Vítor Veloso.

Dados disponibilizados em 2015
Uma percepção que não é corroborada pelo director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas. Nuno Miranda garante que “não há dados que permitam dizer que estamos a fazer mais diagnósticos tardios”, ainda que admita que há trabalho a fazer no campo dos rastreios – sobretudo no caso do cancro colo-rectal – e dos meios complementares de diagnóstico. A este propósito, o oncologista lembrou que a partir de 2015 o Ministério da Saúde prepara-se para disponibilizar dados sobre os tempos médios de espera para exames nas várias unidades do país e, também, os tempos máximos recomendáveis para cada caso.

Nuno Miranda reconhece que há muito a fazer no âmbito da revisão da rede de referência na área da oncologia e que está em curso. “Mas o que existe funciona e funciona bem”, ressalva, explicando que a reformulação da rede pretende dar resposta “ao futuro e ao aumento de casos que prevemos que vão continuar a acontecer” e reduzir as assimetrias no acesso a alguns tratamentos.

Todos os anos são diagnosticados em Portugal 55 mil novos casos de cancro, um número que tem vindo a crescer todos os anos a um ritmo de cerca de 500 casos anuais. Apesar do maior número de doentes, a mortalidade reduziu-se em muitos tumores, pelo que o balanço global está estável, diz Nuno Miranda. Mas para Vítor Veloso continuam a existir excepções, sobretudo em casos como os cancros do fígado, pâncreas, estômago e pulmão – até pela dificuldade de diagnóstico intrínseca aos próprios tumores, o que se traduz também nos dados sobre a mortalidade.

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