Latim, o início da mudança!

Quantas escolas públicas oferecem Latim curricular no Secundário a nível nacional? E quantos alunos encontramos em cada uma dessas escolas? Os números são exíguos e vergonhosos. E do Grego nem se fala!

A situação dos Estudos Clássicos no panorama nacional tem sofrido várias alterações ao longo dos tempos. Se actualmente nos podemos sentir algo optimistas, o passado recente mostra-nos um conjunto de reveses contra os quais vêm lutando aqueles que se dedicam à área.

Se não, vejamos. Quantas escolas públicas oferecem Latim curricular no Secundário a nível nacional? E quantos alunos encontramos em cada uma dessas escolas? Os números são exíguos e vergonhosos. E do Grego nem se fala! E as consequências, visíveis: cada vez menos alunos entram na Universidade, seja para uma licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, seja para uma em Línguas e Literaturas Clássicas com conhecimentos em qualquer destas línguas, o que força as Universidades a, no curto período de três anos, suprir essa falha, o que se torna tanto mais grave, quanto até agora os Mestrados de Ensino têm sido todos bilingues, pelo que alguns licenciados têm frequentado um Mestrado em Ensino do Português e Línguas Clássicas no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário ainda que com um domínio por vezes muito limitado das línguas clássicas. A isto o Decreto-Lei 79/2014, que rege os Mestrados de Ensino que começarão a vigorar no próximo ano lectivo, responde com a criação de Mestrados monolingues, mas também com uma alteração da designação do já referido mestrado para Mestrado em Ensino do Português no 3º. Ciclo do Básico e no Ensino Secundário e em Ensino do Latim no Secundário. Com isto, não só torna possível que um professor seja unicamente docente de Português, mas elimina definitivamente o Grego do Ensino Secundário ao mesmo tempo limita o Latim ao ensino secundário. Ao fazer isto, o(s) autor(es) do decreto não se dá/dão conta de uma outra realidade nacional, que se verifica há já alguns anos: por um lado, a existência de Latim, no 2.º e 3.º ciclos do Básico, em estabelecimentos de ensino privado (como sucede, por exemplo, com o Colégio de S. Tomás, em Lisboa, ou o St. Peter’s School, em Palmela); por outro, a existência quer de ofertas de escola, como o conhecido Pari Passu, na Escola Secundária Rodrigues de Freitas, quer a oferta de cursos livres de Latim, seguindo o método de Cambridge, como tem sucedido nos últimos anos com a Escola Secundária de Pedro Nunes e a Escola Secundária de Passos Manuel.

Junho foi um mês particularmente activo para os Estudos Clássicos, começando com um Seminário, em Coimbra, com o objectivo de apresentar uma oferta de escola para o Ensino Básico e terminando com o Forum dedicado ao tema “O Ensino das Línguas e Culturas Clássicas: Práticas e Contextos”, que decorreu na FCSH/UNL, no passado dia 26. Tornou-se, assim, possível ver a vitalidade desta área e da importância da aprendizagem das línguas clássicas, desginadamente o Latim. Pela voz dos três oradores principais – a Presidente da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, o Vice-Presidente da Asociación Cultura Clásica España e o Director da University of Cambridge School Classics Project – ficou evidente, não só que é um erro considerar as línguas clássicas como línguas mortas, mas também que existem – e funcionam com sucesso – metodologias para o ensino do Latim, diferentes das tradicionais, que possibilitam uma maior familiaridade com a língua e o desenvolvimento de uma capacidade leitora e de compreensão que não depende exclusivamente da análise gramatical.

A Escola Secundária de Pedro Nunes é, de entre as nossas escolas oficiais, uma percursora neste sentido, oferecendo aos alunos do 3.º ciclo, desde 2012, um curso livre de Latim, seguindo o método de Cambridge. O sucesso desta oferta levou a que outras escolas avançassem no mesmo sentido, como é o caso da Escola Secundária Passos Manuel e o Colégio St.Peter's School. Sendo que o Colégio St.Peter's School irá mais longe e, no próximo ano lectivo, integrará nos seus curricula o ensino do Latim a partir do 3.º ano do 1.º Ciclo, tornando-se pioneiro a este nível de ensino.

Neste momento, a estas três escolas começam a juntar-se outras que pretendem oferecer aos alunos do Básico um ensino regular de Latim, com as vantagens daí decorrentes: a familiarização com a língua, permitindo um maior domínio vocabular e a consequente leitura de textos; o aprofundamento do conhecimento da língua materna e a consequente maior facilidade de compreensão de textos que são estudados na disciplina de Português; e, neste caso, uma certificação internacional, do nível de conhecimentos dos alunos, à semelhança do que já sucede com o Inglês.

Podemos questionar – e há quem o faça – se esta será a metodologia mais adequada à aprendizagem das línguas clássicas, ou até se será no Básico que deverá ser iniciada esta aprendizagem. Mas reflictamos um pouco: qual é o objectivo do estudo das línguas clássicas, se não o acesso aos textos originais e a sua compreensão? A realidade de países, como o Reino Unido, onde o método de Cambridge – ou outros similares – é utilizado, mostra que ao fim de alguns anos os aprendentes estão aptos a ler, em Latim, textos com um razoável grau de dificuldade. Mostra-nos ainda – e as experiências realizadas nas escolas referidas comprovam-no – que os alunos se habituam a considerar o Latim como mais uma disciplina, de que muitas vezes gostam bastante. Por outro lado, esta aprendizagem pode ter uma enorme vantagem: a escolha do Latim no Secundário. Quem é que escolhe o que desconhece? O conhecimento prévio da língua e o seu domínio facilitarão sem dúvida essa escolha. E aí, sim, estaremos a avançar por um novo caminho, não apenas como cidadãos nacionais, mas como cidadãos europeus, de uma Europa que se pretende unida, mas que só o será se estivermos cientes de que o que nos une é o passado comum e as línguas que o veiculam.

Professoras

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