Há cinco dias que os tribunais portugueses estão mergulhados no desgoverno. Recuaram aos anos 1980, quando não existia Internet, e voltaram a usar os correios para as diligências diárias. O Citius não funciona e vai estar congelado durante mais dez dias.

E eis senão quando, no preciso momento em que todos suspiram porque “nada funciona”, a justiça portuguesa conclui o julgamento do Face Oculta de forma seca, dura e sem medo de atingir o círculo de poder.

O que fizeram estes homens de pequenas empresas e de impérios estatais, administradores públicos e um ex-ministro? Ofereceram e receberam presentes de mais de um milhão de euros, desde carros a floreiras de prata, para ajudarem um negócio de ferro velho. A seguir a Isaltino Morais, Armando Vara será o segundo ex-ministro do Portugal moderno a ser condenado a uma pena efectiva. Cinco anos. O tribunal deu como provado que recebeu um envelope de 25 mil para influenciar pessoas com poder de decisão no Estado.

Cinco razões simples fazem do Face Oculta um caso extraordinário: 1. é particularmente difícil provar os crimes de “colarinho branco” e as ligações entre quem corrompe, quem ajuda a corromper e quem aceita ser corrompido. 2. A investigação durou um ano em total segredo e sem uma única fuga de informação. 3. O julgamento de uma complexa rede que envolveu 36 arguidos durou, apesar de tudo, três anos. 4. O acórdão é muito severo. 5. E surge quando Portugal tem novas regras nos códigos dos processos Penal e Civil – e regras melhores. Em 2013, foram eliminadas coisas que, fora do mundo do direito, são juridiquês incompreensível mas que, no mundo real dos tribunais, permitiram ao longo dos anos que muitas condenações simplesmente tivessem prescrito. Expedientes como “decisões interlocutórias”; “incidentes pós-decisórios”, “aclarações”, “nulidades da decisão final”, “esclarecimento de nulidades” ou de “obscuridades e ambiguidades” desapareceram ou são hoje mais difíceis de aplicar. O processo dos recursos já anunciados para o Face Oculta vai ser uma prova de fogo para os novos códigos.

Vara disse estar “chocado” com a condenação. Os portugueses que acompanharam o processo não estão.