João Van Dunen: Jornalismo e Liberdade

Não há poder democrático, totalitário ou fascizante que se afeiçoe particularmente à liberdade e, aí, à liberdade do Jornalismo.

Em tal matéria, são todos parentes: uns, pelas mais insidiosas manobras, limitam-no por leis, decretos, despachos, telefonemas, despedimentos e ameaças deles. Outros, controlam e policiam aqui, ali e acolá e compram-no. Outros ainda, pura e simplesmente, liquidam-no pela perseguição, força bruta, assaltos a sedes.

Um estado sem imprensa livre não é um estado democrático, mas um estado opressor, qualquer forma que assuma uma tal opressão e por mais vícios e erros que habitem o jornalismo.

Mas há sempre quem resista, há sempre alguém que diz não, como, também a propósito, escreveu Manuel Alegre e outros cantaram: os presos e censurados antes de  Abril; os perseguidos aqui e ali; os assassinados pelo mundo fora. Razão: a coragem de dizer a verdade.

João Van Dunen, um jornalista, com todas as maiúsculas, um angolano que amava este país e que tive a alegria imerecida de conhecer intimamente há cerca de 30 anos, disse-me "até já", há uns dias, na Basílica da Estrela, em Lisboa.

Eu, que sou dos que ainda penso, com todas as minhas forças morais, que a liberdade é o supremo bem e valor do Homem, doeu-me lá dentro e não fui capaz de articular palavras de jeito a membros da  família que me recebe e acarinha há muitos anos.

Também este jornalista de eleição, superior, informado, culto, com um amor à verdade que deve orientar a actividade de informar e formar o Povo, foi perseguido, e a família também, aportando ao nosso país há muitos anos.

Fundou um jornal, mas, há 20 anos, subiu a um avião e foi recebido no centro de excelência do jornalismo desta Europa pelintra que foi o berço das liberdades e hoje se deixa manipular e até subjugar por essas entidades sem rosto em que, no” bilhete de identidade” diz “os mercados”.

Na BBC, João Van Dunen foi jornalista durante 20 anos, subiu a cargos de direcção, mas o país que temos, governado por gentinha inculta e ignorante, por isso mesmo arrogante, nunca o reconheceu, com excepção agora, como é uso, com aqueles telegramas de formulário transmitidos por telefones internos em que se dá ordem às secretárias, sem se ler, para envio e cumprimento do fariseismo e hipocrisia  protocolar.

Nem todos, pois lá encontrei muita intelectualidade, muitos jornalistas a prestar homenagem, a última homenagem.

Recordo, porque não, as nossas deambulações pelas “estrelas da noite” de Lisboa, onde, aquele jornalista de voz suave, sempre suave, com todos solidário, amigos e não amigos, me ensinava tanta coisa, a luta por vida digna de um povo ainda explorado, o angolano, e o papel do jornalismo livre na libertação desse e de outros povos.

O demonstrou na BBC, onde poucos de Portugal, infelizmente, tiveram acesso e reconhecimento.

Não prestei, nem presto, a "última“ homenagem a este jornalista. Porque homens da comunicação social desta grandeza  dispensam homenagens. Digo-lhe, onde quer que esteja, que está comigo e, estou disso seguro, com todos os jornalistas que sabem o valor supremo da liberdade. Que devem defender, sempre pela verdade.

O autor é procurador-geral adjunto
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