Investigado alegado uso de gabinete por Sócrates para telefonar da cadeia

Inspecção da Justiça abriu processo após queixa dos guardas. Serviços Prisionais dizem que telefone de gabinete pode ser usado excepcionalmente. Regulamento estabelece que as chamadas são feitas "exclusivamente através das cabinas”.

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José Sócrates está em prisão preventiva Miguel Manso

A Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça (IGSJ) decidiu abrir um processo para investigar o alegado tratamento de favor na cadeia de Évora ao ex-primeiro-ministro José Sócrates após uma denúncia dos guardas prisionais, confirmou o inspector-geral da IGSJ, Manuel Eduardo Santa.

Há cerca de duas semanas que Sócrates estará a usar o gabinete do director adjunto da prisão para telefonar, sem controlo, segundo um ofício do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP). Isto para contornar a aplicação desde então da restrição da duração dos telefonemas a cinco minutos, noticiou o PÚBLICO esta terça-feira.

O director da prisão, José Ribeiro Pereira, não fez então comentários. “Não confirmo nem desminto. Não vou falar sobre situações que fazem parte da vida interna da cadeia”, disse também o director adjunto, José Luís Mendes, que os guardas acusam de beneficiar Sócrates.

Foi precisamente no âmbito da denúncia, enviada, além da IGSJ, à Direcção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais (DGRSP) e ao Ministério da Justiça, que o processo foi aberto esta terça-feira.

“O processo foi instaurado com base numa queixa do sindicato”, referiu Manuel Eduardo Santa acrescentando que “já foi distribuído a um inspector”. O inspector-geral adiantou ainda que, “numa primeira fase”, vão ser “ouvidos os serviços, antes de ser tomada qualquer decisão no processo”.

Ao PÚBLICO, a DGRSP reiterou que o “recluso utiliza os telefones que, tanto no quotidiano como em situações urgentes/excepcionais, estão disponíveis a todos os reclusos”. Salientou ainda que "o gabinete do adjunto é simultaneamente o gabinete do serviço de tratamento penitenciário onde são atendidos todos os reclusos e do qual podem ser feitas as chamadas telefónicas que, a título urgente/excepcional, os reclusos solicitem e venham a ser autorizadas pela direcção” da cadeia.

Porém, o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais estabelece que essas chamadas são “exclusivamente efectuadas através das cabinas”. A cadeia de Évora tem uma e fontes dos serviços prisionais garantiram que a única excepção para uso do telefone do director adjunto seria em caso de avaria da cabina. Tal teria de ser informado aos dirigentes de todas as unidades orgânicas dos serviços prisionais de imediato e isso não aconteceu, pelo menos desde que Sócrates está preso preventivamente, garantiram as mesmas fontes.

Ao PÚBLICO, o director-geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes, disse que decidiu não tomar a iniciativa de reportar o caso para a IGSJ. “Para nós não havia razão alguma para averiguar, mas aguardamos serenamente pelo desfecho”, afirmou.

Também um dos advogados de Sócrates, Pedro Delille, salientou a importância da averiguação para “esclarecer o assunto”. “Acho bem para esclarecer aquilo que não passa de uma invenção incendiária”, disse.

Os guardas prisionais avisavam ainda que o “tratamento desigual” está a provocar instabilidade e que a segurança da prisão poderá vir a “estar em causa com uma alteração da ordem por parte dos reclusos em revolta”.

Para Delille, porém, esse alerta não faz sentido. “Isso são afirmações ridículas de quem não conhece o ambiente daquela cadeia. Ainda hoje lá estive e fui muito bem recebido”, assegurou.

O presidente do sindicato, Jorge Alves, para quem “a notícia de que a IGSJ decidiu investigar é muito boa”, adiantou ainda que “José Sócrates foi notificado ontem [terça-feira] por escrito para entregar as botas de cano alto que usa e são proibidas na cadeia”. Os restantes reclusos não as usam e estarão indignados com essa alegada discriminação.

Sócrates terá sido avisado verbalmente pelos guardas e terá recusado. “Se não as entregar, a cela será sujeita a revista e ele será visado por apreensão coerciva”, acrescentou Jorge Alves.

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