Imigrantes explorados arranjaram outros trabalhos “no Alentejo e em Espanha”

Paletes de madeira a fazer de camas, dezenas de bilhas de gás, caixas de papelão e roupas amontoados. Foi o cenário encontrado pelos inspectores da ACT quando foram ao barracão em Pedrogão que é propriedade de um emigrante português na Suíça.

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No interior do barracão, as camas eram paletes em madeira, umas por cima das outras, junto às paredes Frederico Batista

Foram cerca de 90 os imigrantes que na segunda-feira abandonaram o barracão em Pedrógão, no concelho da Vidigueira, onde, durante os últimos quatro meses, estiveram “acondicionados” sem condições. Foram trabalhar “noutros locais no Alentejo e em Espanha”, disse nesta quarta-feira ao PÚBLICO o presidente da Câmara Municipal da Vidigueira, Manuel Narra. O autarca diz que o edifício não tem alvará de casa de habitação, por ser uma oficina para arranjo de viaturas que se encontra desactivada. O seu proprietário é emigrante na Suíça, mas “acaba por ser um elo nas redes mafiosas, que aproveitam as casas devolutas”, acrescentou

Quando os inspectores da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) se deslocaram no final de Dezembro ao barracão encontraram um cenário de filme de terror. “Não cabia nem mais uma pessoa e contámos cerca de 60”, refere o inspector Carlos Graça que coordena uma equipa nacional de combate ao trabalho não declarado. O PÚBLICO observou um conjunto de fotos que foram tiradas ao interior do espaço. As camas eram paletes em madeira, umas por  cima das outras, junto às paredes. Caixas de papelão, sacos de plástico e roupas amontoavam-se com colchões de esponja. O número de bilhas de gás ultrapassava a meia centena para alimentar os respectivos fogões. Não havia privacidade. Só o chefe de grupo tinha o privilégio de dormir dentro do “escritório” da oficina. As necessidades fisiológicas só podiam ser satisfeitas no exterior do barracão.

“Imagine um incêndio naquele espaço” frisou Manuel Narra, que esteve com o PÚBLICO junto ao barracão, sublinhado que nada mais podia fazer senão aplicar uma coima pelo facto de o espaço não estar licenciado para habitação.

O PÚBLICO questionou a Procuradoria-Geral da República sobre se há algum inquérito em curso a este caso, mas não obteve resposta até à hora de fecho desta edição.

Para além da exploração laboral a que estão sujeitos — Manuel Narra fala de “novas formas de escravatura” —, o drama maior dos imigrantes que todos os anos chegam aos milhares a Portugal para trabalhar, sobretudo, na apanha de azeitona, reside nas formas de alojamento que lhe são oferecidas. O autarca deixa uma crítica aos deputados do PS, CDU e PSD, eleitos pelo círculo de Beja, por terem “primado” pela ausência no debate que a câmara da Vidigueira realizou na segunda-feira para avançar com a criação, atempada, de um “plano de acção” que deverá estar a funcionar antes do próximo mês Outubro, pico da imigração. Apenas esteve presente uma deputada do BE eleita por Setúbal. O autarca não quer que se repitam os problemas que têm vindo a agudizar-se desde que o regadio em Alqueva passou a necessitar de mão-de-obra imigrante.

Manuel Narra refere que as autoridades persistem em manter a postura de “correr atrás do prejuízo” e a “impunidade das redes mafiosas de tráfico de seres humanos”.

Entretanto o Alto Comissariado para as Migrações diz que” vai averiguar junto dos trabalhadores, da empresa e da autarquia” o caso descrito pelo PÚBLICO e sublinha a “prioridade que o Governo concede à revisão das competências da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, reforçando a sua capacidade de intervenção, designadamente na área do trabalho”.

Um romeno em Serpa

O PÚBLICO falou também com um imigrante romeno que vive em Serpa. Chegou em 2000 a Portugal, de bicicleta, para “melhorar” a sua vida, contou. Trabalhou na construção civil em Lisboa, viveu os problemas do desemprego e alimentou-se de restos de alimentos recolhidos nos contentores. Radicou-se em Serpa, onde constituiu família — tem dois filhos de três e cinco anos — e comprou um café onde se reúnem os cidadãos romenos que se concentram na cidade da margem esquerda do Guadiana. Como o serviço de restauração não lhe dá grande rendimento acumula a sua actividade empresarial com a contratação de “apenas” 15 romenos para trabalhar na agricultura, contou.

Garante que cumpre a lei, tanto na contratação de pessoas, como em relação à Segurança Social e às obrigações com o Fisco. Questionado sobre a dureza do trabalho que é suportado pelos imigrantes, considerou que “há trabalho duro em todo o lado”. O seu nome? “É melhor não dizer”, respondeu. Com M.O.

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