Imagine um sistema de saúde que o ajuda a mudar comportamentos

O fascínio que o desenvolvimento tecnológico nos cria retira-nos, muitas vezes, o discernimento para nos continuarmos a focar no essencial: as pessoas.

As mudanças comportamentais na área da saúde são elementos centrais numa política de saúde preventiva e sustentável. A OMS (Organização Mundial de Saúde), no relatório sobre saúde e comportamentos saudáveis, em 2013, recomenda a utilização de técnicas de mudança comportamental e de desenvolvimento de competências de tomada de decisão, de autoestima e de resistência à pressão dos pares como promotoras de saúde mental entre os adolescentes.

O aumento da obesidade, ou, como já foi designada, a epidemia da obesidade, com preocupante crescimento entre os mais jovens (como está patente em estudo da OMS de 2012), ou ainda a diabetes ou o consumo de tabaco são problemas de saúde com componentes comportamentais muito fortes, apenas para enumerar alguns exemplos.

Nestes seus mais recentes relatórios, a OMS defende ainda a operacionalização de estratégias focadas no autocuidado através da utilização de tecnologias electrónicas e móveis da saúde.

A mudança de comportamentos enquanto estratégia preventiva conta com novos aliados, bem como as suas áreas conexas relacionadas com a monitorização para a tomada de decisão. As mais recentes actualizações tecnológicas propiciam um contexto positivo e muitas oportunidades para potenciar alterações comportamentais com impacto na saúde. Nalgumas patologias é essencial e crítico para o sucesso clínico que o doente monitorize e siga as terapêuticas com rigor.

Pois bem, a tecnologia deve ser considerada como aliada, ferramenta e plataforma para a operacionalização destas  mudanças comportamentais. A tecnologia não é o fim em si mesma. Como noutras áreas, sob pressão de um mercado muito competitivo em soluções tecnológicas, somos muitas vezes compelidos a adoptar novas tecnologias como panaceias, como resposta a tudo, muitas vezes como se de receitas mágicas para os problemas mais variados se tratassem. O fascínio que o desenvolvimento tecnológico nos cria retira-nos, muitas vezes, o discernimento para nos continuarmos a focar no essencial. E o essencial continuam a ser as pessoas. E estas apresentam comportamentos há muito estudados pela psicologia e pelos psicólogos.

Dentro das tecnologias ligadas à saúde têm ganho espaço, muito recentemente, um conjunto de inovações que permitem captar, desenvolver e interagir com os utentes dos serviços de saúde à medida das suas características individuais, seja evitando as deslocações desnecessárias às unidades de saúde através da marcações de exames, consultas e outras acções do género, seja recolhendo dados sobre a glicemia, exercício físico, peso, entre outros, que podem eventualmente ser usados como alertas para médico ou utente ou para o estímulo de comportamentos mais saudáveis. Veja-se a proliferação de aplicações móveis do mais variado género para promoção de comportamentos saudáveis como o exercício físico (a OMS nas suas recomendações para a actividade física e saúde em 2010, considerava já a inactividade como o quarto factor de risco de morte a nível mundial) ou associados à dieta ou ainda os mais recentes portais de entidades públicas e privadas ligadas à saúde.

Apesar de esta ser uma área em grande expansão, nomeadamente no mercado tecnológico, no marketing e nas soluções aplicadas a vários negócios, continua a utilizar poucos conhecimentos de ponta existentes nos domínios da bioinformática e da psicologia. Esta limitação pode reduzir o sucesso destes projectos ou intervenções, pois a grande maioria dos desenvolvimentos aplicacionais são conduzidos por, na maior parte das vezes, profissionais com poucos conhecimentos de psicologia e muito menos por psicólogos.

Todos temos a ganhar com um sistema de saúde cada vez mais desburocratizado no seu acesso, pois quanto mais conseguirmos simplificar e colocar os serviços à distância de um clique ou telefonema (a este propósito significa investir mais em linhas como a SOS 24), mais possibilidades haverá de dar mais atenção e respostas mais rápidas e humanizadas nos serviços de saúde presenciais.

Todavia, um sistema com estes ganhos só é possível se bem desenhado em termos comportamentais. De facto, a tecnologia já existe e não é um problema. O problema é desenhá-la de acordo com as melhores práticas adaptadas à forma como nós seres humanos funcionamos, nomeadamente tendo em conta as diferenças culturais, demográficas e educacionais. Deste modo, ganha contornos de maior necessidade o envolvimento de profissionais especialistas em comportamento, como são os psicólogos. Estes aliam o seu conhecimento em comportamento humano ao domínio ético e deontológico da profissão, importantes quando se estruturam plataformas de dados tão sensíveis. O seu trabalho e conhecimento científico é essencial para o correcto desenho e arquitectura destas plataformas do futuro que vão tendo exemplos concretos já hoje.

Psicólogo C.P. n.º 3, membro da Direcção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

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