Igreja Católica reconhece “dívida de gratidão” para com Nuno Teotónio Pereira

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Nuno Teotónio Pereira: “não nos podemos conformar com a situação que se vive hoje em Portugal"

A Igreja Católica reconhece ter uma “dívida de gratidão” para com o arquitecto Nuno Teotónio Pereira, fundador e primeiro presidente do Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), que depois do 25 de Abril de 1974 se afastou da instituição católica. A afirmação é do presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, D. Pio Alves, bispo auxiliar do porto.

Pio Alves falava ao final da tarde de hoje na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, na cerimónia de entrega do Prémio Árvore da Vida Padre Manuel Antunes, que o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC), da Igreja Católica, concede a personalidades que se distinguem pelo diálogo que estabelecem entre a fé e a cultura.

Nesta oitava edição, o distinguido foi Nuno Teotónio Pereira. Na ocasião, o premiado afirmou: “Não nos podemos conformar com a situação que se vive hoje em Portugal, que faz muitas pessoas sofrer com as dificuldades.” E manifestou ainda a sua angústia por ver “tantos colegas sem trabalho” e tantos ateliês a fechar”, com milhares de casa desabitadas em Portugal e o Estado sem dinheiro para fazer obras.

Teotónio Pereira “deixa-nos uma marca pessoalíssima e de rara qualidade na arquitectura portuguesa”, afirmou Pio Alves. A ela aliou duas outras marcas, acrescentou o bispo: “O grande gosto pelo trabalho em equipa e uma genuína preocupação pela dimensão social do trabalho arquitectónico.” Por essas razões e também pelo nível a que, com os da sua geração, Teotónio Pereira elevou “o diálogo entre a fé e a cultura”, o bispo disse que a Igreja tem essa “dívida de gratidão”.

O MRAR, do qual fizeram parte artistas como José Escada, Jorge Vieira, Cargaleiro, Madalena Cabral ou Eduardo Nery, e arquitectos como Nuno Portas, Luís Cunha, Diogo Lino Pimentel ou Formosinho Sanches, deu um “significativo contributo para a tradução plástica da reforma litúrgica que o Concílio Vaticano II protagonizaria”, disse ainda Pio Alves.

O presidente da Comissão Episcopal da Cultura acrescentou que, neste momento, a Igreja Católica em Portugal “precisa do contributo dos artistas e das epifanias de sentido e de beleza que eles realizam”. E disse: “Sem os artistas, a expressão do mistério de Deus seria mais pobre e o homem seria um estrangeiro de si mesmo; sem os artistas, a Igreja ver-se-ia privada de uma linguagem expressiva, para muitos a única linguagem ainda inteligível.”

O bispo auxiliar do Porto citou ainda o Papa Bento XVI que, no seu encontro com mais de 100 artistas, em 2009, dizia que estes são os “guardiães da beleza” e “anunciadores e testemunhas de esperança para a humanidade”.

A sessão decorreu na igreja que, projectada por Teotónio Pereira, Nuno Portas e Pedro Vieira de Almeida na década de 1960, é hoje monumento nacional. Teotónio Pereira recordou que ela surgiu num momento em que os jovens arquitectos e artistas do MRAR procuravam trazer para Portugal as concepções “modernas e dos movimentos de arte moderna e contemporânea que se estendiam pela Europa fora.

O regime ditatorial do Estado Novo “obrigava a uma arquitectura do gosto do Governo”, recordou o arquitecto, também autor do edifício conhecido como “Franjinhas”, na rua Braancamp, em Lisboa.

Teotónio Pereira recordou que, quando começou a sua carreira, os arquitectos eram ainda poucos e mal vistos. Depois, teve “a sorte de trabalhar numa época muito favorável ao trabalho dos arquitectos”, que foi a segunda metade do século XX. “Estamos a viver, penosamente, uma época de grandes dificuldades” para os arquitectos, acrescentou.

A situação actual traduz também problemas de “desigualdades sociais que não se podem aceitar”, afirmou. “É preciso lutar contra essas injustiças”, tal como foi preciso lutar no tempo do Estado Novo, mesmo se por vezes a Igreja aceitou essas situações sem protestar, apontou.

Na acta da decisão do júri do Prémio Árvore da Vida, lida pelo padre Tolentino Mendonça, director do SNPC, destaca-se o “percurso profissional e cívico de Teotónio Pereira e a sua “estatura ética e criativa”, que “representam uma lição de humanidade para todos nós e uma luz oportuníssima para pensar o lugar e o modo da arquitectura reinscrever-se no presente e no futuro”.

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