Idosos em lares tomam mais de dez medicamentos por dia

Estudo revela que muitos idosos a viver em lares tomam muitos medicamentos inapropriados e até duplicados, sobretudo tranquilizantes.

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Daniel Rocha (arquivo)

Os idosos que vivem em lares tomam muitos medicamentos, alguns não são adequados ao seu estado de saúde e vários são mesmo duplicações. O problema é frequente, a crer nos resultados de um estudo que fez a revisão da medicação de idosos institucionalizados em lares de terceira idade que estavam a tomar pelo menos mais de cinco fármacos por dia.

Os investigadores do Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz analisaram exaustivamente a medicação de 126 idosos que vivem em três lares das regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Alentejo. As conclusões  do estudo publicado na última edição da Revista Portuguesa de Farmacoterapia são preocupantes: cerca de um sexto dos 1315 fármacos receitados diariamente foram identificados como “medicamentos potencialmente inadequados” e, em média, cada idoso tomava dois remédios que não faziam sentido tendo em conta o seu estado de saúde e a sua idade. No total, três quartos destes idosos estavam a tomar medicamentos potencialmente inadequados. Em média, cada um deles sofria de mais de quatro comorbilidades (patologias) e tomava mais de dez medicamentos por dia. Havia um idoso a quem tinham sido receitados 28 remédios.

O problema é que, como notam os investigadores, a idade deve ser levada em conta na definição da terapêutica nas idades mais avançadas, porque  o envelhecimento provoca a deterioração das funções responsáveis pela metabolização e excreção dos fármacos, como a função renal e a hepática. Neste âmbito, sublinham, a importância da detecção de medicamentos potencialmente inadequados encontra-se “suportada em estudos anteriores, que demonstram que está fortemente correlacionada com o aparecimento de reacções adversas, potencialmente conducentes a hospitalizações evitáveis”.

Duplicação de antidepressivos e ansiolíticos
Mas o que mais surpreendeu pela negativa foi a elevada percentagem de casos (45,8%) em que se detectou a duplicação de medicamentos com o mesmo princípio activo e da mesma classe terapêutica, como foi o caso dos antidepressivos e dos ansiolíticos. Uma fatia não negligenciável dos fármacos prescritos (13,5%) foram mesmo classificados como medicamentos que afectam negativamente os doentes com historial de quedas, como as benzodiazepinas (tranquilizantes e hipnóticos) de longa duração e os antipsicóticos.

“Há muitos casos de duplicação do princípio activo e da classe terapêutica, e o exemplo mais frequente são as benzodiazepinas. Este fenómeno não é um exclusivo de Portugal, mas em Portugal é mais elevado. O problema é que, além da perda de memória, [estes fármacos] provocam um aumento da sonolência e podem induzir quedas, o que é muito perigosos nestas idades”, alerta Filipa Alves da Costa, uma das autoras do estudo.

No artigo agora publicado, os investigadores notam, aliás, que o uso excessivo de ansiolíticos e antidepressivos pela população portuguesa em geral já foi identificado nos Planos Nacionais de Saúde,  sendo estabelecida como uma das prioridades para a política do medicamento a redução do seu consumo.

Também há remédios em falta
Ao mesmo tempo,  o estudo permitiu detectar outro fenómeno: há alguns “medicamentos potencialmente omissos”, ou seja, fármacos que, tendo em conta a condição clínica dos idosos, deveriam ser prescritos aos idosos. Isto aconteceu em 43% dos casos e os remédios em falta são essencialmente preventivos, como  estatinas, cálcio e vitamina D.  Uma vez que são mais os medicamentos potencialmente inadequados do que os potencialmente omissos detectados, se fosse feita a revisão da terapêutica, os custos não aumentariam e haveria um aumento da qualidade da terapêutica, alegam.

Apesar das limitações deste estudo – um dos lares convidados acabou por ficar de fora por não ter diagnósticos médicos nos registos clínicos dos idosos, o que inviabilizou a revisão da medicação -, há “oportunidades de intervenção para os farmacêuticos” entre os idosos a viver em lares, devendo estes começar por actuar no sentido de evitarem as duplicações de terapêutica, defendem os autores.

Farmacêuticos devem intervir?
Filipa Alves da Costa admite que a revisão periódica da medicação dos idosos ainda é um caminho por fazer em Portugal e garante que não se pretende abrir uma guerra com os médicos. “A ideia não é a de fazer de polícia dos médicos, mas sim trabalhar em equipas multidisciplinares para encontrar a melhor solução para cada doente”, sugere. Até porque pôr farmacêuticos a fazer a revisão periódica da medicação em lares de terceira idade é uma solução já posta em prática em vários países, como a Suiça e a Holanda, por exemplo.

O problema da medicação inadequada em idosos tem sido alvo de estudos e até de campanhas em Portugal. A Associação Nacional de Farmácias (ANF) chegou a convidar em 2009 as pessoas com mais de 65 ou mais anos a trazer o saco com os seus remédios para avaliar possíveis efeitos adversos, interacções e duplicações.

Dois anos antes, o centro de estudos da ANF avaliou os registos de 5 mil doentes em cerca de metade das farmácias do país para concluir que os idosos polimedicados tomavam em média mais de sete remédios diariamente. Na altura, foram identificados problemas em quase metade dos doentes, sobretudo no grupo daqueles que consumiam mais de 10 fármacos por dia (e que representavam um quinto do total).

Apesar de os dados poderem estar inflaccionados por apenas ter sido analisado o subgrupo dos idosos que consomem no mínimo quatro remédios por dia, os valores são idênticos aos resultados preliminares de um trabalho na Faculdade de Farmácia de Lisboa que nessa altura apontou também para uma média diária de sete medicamentos.

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