Professores denunciam falhas graves na correcção do exame de Português

Houve critérios diferentes para corrigir respostas idênticas, criticam docentes. O Iave diz que com os "seus" classificadores não houve problemas". Ministério explica que não distingue classificadores.

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Este ano houve muitos professoers a classificarem exames pela primeira vez Enric Vives-Rubio

A nova Associação Nacional de Professores de Português (Anproport) denunciou, num parecer enviado ao PÚBLICO, que o processo de classificação dos exames do 12.º ano da disciplina “não garante, com rigor, a equidade” entre os alunos já que nem todos os professores classificadores tiveram acesso às mesmas informações. A média dos alunos internos neste exame foi de 11 valores.

Esta situação, para além de consistir “num desrespeito com o trabalho dos classificadores e dos alunos, potencia alguma desigualdade na classificação dos que vão aceder aos mesmos cursos com notas” deste exame, frisa a associação. Até esta quarta-feira os alunos que o desejarem poderão requerer a consulta da prova que realizaram para efeitos de reapreciação da nota. No ano passado 2244 pediram a reapreciação da prova de Português, para 72% deles o processo resultou num aumento da classificação.

Para elaborar o seu parecer, a Anproport diz ter recebido a colaboração de professores classificadores, que relataram as dúvidas que foram tendo durante o processo de classificação dos exames e as dificuldades em obter esclarecimentos para as dissipar. Que por vezes não chegaram.

Destes relatos a Anproport  faz um resumo: “Dirão que somos acompanhados por supervisores. É uma falácia (…) a maior parte não avançou muito mais do que aquilo que foi divulgado oficialmente [pelo Instituto de Avaliação Educativa], que é pouco. Foram colocadas dúvidas e não se obtiveram respostas esclarecedoras”.  

Em resposta a questões do PÚBLICO, o Instituto de Avaliação Educativa (Iave), responsável pelos exames e pela bolsa de professores classificadores, não excluiu que se tivessem registado problemas, embora garanta que se tal aconteceu não foi com os seus classificadores.

“A ser verdade que houve problemas de comunicação durante o processo de aferição dos critérios de classificação do exame de Português, os quais desconhecemos, estes não se verificam com os professores classificadores do Iave que recebem atempadamente a informação das alterações introduzidas”, precisou a assessora de imprensa, lembrando a este respeito que para além dos docentes indicados pelo instituto “é quase sempre necessário envolver no processo outros classificadores, os quais são indicados pelo Júri Nacional de Exames”, que depende do Ministério da Educação e Ciência.

Do ministério veio a informação que o Júri Nacional de Exames (JNE) “não recebeu qualquer reclamação”, mas também este esclarecimento motivado pela resposta do Instituto de Avaliação Educativa: “O processo de comunicação de instruções aos classificadores é da responsabilidade do Iave. O MEC não distingue classificadores, que são indicados pelas escolas. Todos recebem as mesmas orientações para a classificação”.  

Na sequência de uma recomendação do JNE, a bolsa de professores classificadores, constituída em 2010, foi reforçada este ano por outros docentes que não tiveram formação específica para aplicar os critérios de classificação elaborados pelo Iave. O que, segundo o MEC, aconteceu porque o número dos docentes com formação “era insuficiente para as necessidades do processo de exames”. Este ano estavam “cerca de 6650 professores com formação na bolsa de classificadores e outros tantos (6447) sem formação”, especificou o Iave.

Segundo a Anproport, não só para muitos docentes envolvidos foi esta a sua primeira experiência enquanto professores classificadores, como também não tiveram “qualquer reunião” de preparação. Por essa razão, “as dificuldades para aplicar os critérios de classificação ainda foram maiores”, ficando assim os alunos “muito dependentes da sua generosidade”.

Exemplos de discrepâncias
Alguns exemplos apontados pela associação. Em relação às perguntas de interpretação tanto sobre o excerto do Memorial do Convento, de José Saramago, como sobre o poema Bach, Segovia, Guitarra, de Sophia Mello Breyner Andresen, houve supervisores que indicaram que as respostas em que existam apenas citações deviam ser classificadas com zero pontos, enquanto outros não o fizeram, havendo assim “diferenças que podem chegar a um valor em respostas muito semelhantes”.

Nas perguntas sobre o poema de Sophia, houve “um pequeno leque de classificadores” a quem foi dada a informação de que não deveriam utilizar a pontuação máxima (12 pontos) caso “o aluno referisse a poeta/poetisa/autora”, enquanto a outros foi transmitido que tal não implicaria um desconto de 12 para 9 pontos na cotação daquelas respostas. Nestas questões pedia-se aos alunos para referirem “dois dos traços que contribuem para a humanização da música nas cinco primeiras estrofes do poema” e para explicitarem “a importância da música na construção da identidade do ‘eu’ de acordo com o conteúdo das últimas estrofes”.

Também em relação à classificação a composição houve informações contraditórias, frisa a Anproport. Pedia-se aos alunos para escreverem um texto em que expusessem um ponto de vista pessoal sobre o facto de estarmos permanentemente sujeitos a estímulos sensoriais (visuais, auditivos, olfactivos…), por exemplo, através de campanhas publicitárias”. “Muitos alunos perderam-se: acharam que o tema era a publicidade, quando eram as sensações, os estímulos sensoriais”. Surgiram dúvidas: se só escrevessem sobre publicidade a cotação seria zero? A resposta, segundo a associação, foi comunicada por telefone a quem insistiu nela, aconselhando os classificadores a não penalizarem muito os alunos por isso. “Terá sido um critério geral? Não o sabemos”, constata a associação, acrescentando que os resultados deste exame, divulgados na segunda-feira, mostram que “há descidas vertiginosas e subidas igualmente alucinantes”.

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