Heranças com um sabor amargo

Oficial de Justiça Luís Rasoilo tem dois casos em tribunal, ambos com pedidos de cooperação para Angola, que aguardam há meses para serem cumpridos.

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Ministério Público não fala sobre o caso por estar em segredo de justiça Foto: Adriano Miranda

Quando Luís Rasoilo herdou em 2007 uma quota-parte de uma casa senhorial na baixa de Luanda, em Angola, nunca imaginou nas dores de cabeça que o imóvel lhe iria dar. Afinal, o único “pecado” que cometera fora passar uma procuração em Portugal a um meio-irmão angolano, tenente-general, que garantia ter um negócio no horizonte. O militar, que já foi juiz do Supremo Tribunal Militar de Angola, diz ter vendido a casa, junto à marginal de Luanda, em Agosto de 2009 por quatro milhões de dólares. Mas, Luís nunca chegou a pôr os olhos na sua parte.

Para reivindicar isso mesmo intentou em Fevereiro de 2011 nos tribunais portugueses uma acção onde pede que o meio-irmão lhe apresente contas e lhe entregue os mais de 250 mil euros que lhe caberiam. O militar angolano contestou a competência dos tribunais portugueses e foi necessário o processo subir à Relação do Porto para se obter o fumo branco que permitiu prosseguir o caso.

Desde o início deste ano, que o processo aguarda o cumprimento de uma carta rogatória a pedir à Justiça angolana que inquira cinco testemunhas. Três residentes em Luanda e duas em Benguela. Foram arroladas pelo tenente-general para comprovar despesas avultadas que diz ter tido com a venda da casa. Luís teme que o processo se arraste e tem razão para receios. Como oficial de justiça, conhece bem as manhas dos tribunais.

Processo a reivindicar quase 1,7 milhões de euros

Além disso, tem outra experiência conturbada, que desagua na mesma casa senhorial e no mesmo meio-irmão. É que, em 2014, com a morte de uma tia, herdou o direito a quase metade do valor da venda de um imóvel da baixa de Luanda. Também essa familiar passara uma procuração ao tenente-general, que apenas a reembolsara de uma ínfima parte dos milhões. Por isso, já em Março do ano passado, Luís deu entrada com outro processo a reivindicar quase 1,7 milhões de euros.

Mas desta vez, não teve a sorte da primeira acção, em que o tribunal conseguira notificar ex- juiz militar angolano no Porto, onde ficava a sede de uma empresa, de que era presidente. Neste processo, contudo, há um ano e cinco meses que o tribunal tenta encontrar o tenente-general, apenas para lhe dar conta do teor da acção e do direito de a contestar. Sem sucesso. Gastaram-se meses a enviar cartas registadas para a morada do militar, em Luanda, onde Luís garante que meio-irmão continua a viver. Mas vieram devolvidas. Depois tentou-se o Supremo Tribunal Militar. Um aviso de recepção ainda chegou assinado, mas mais tarde a carta também veio devolvida e o tribunal não considerou a citação feita.

Por isso, lá foi mais uma carta rogatória a pedir às autoridades angolanas que notifiquem o tenente-general. Já lá vão seis meses. Aos 57 anos, Luís não baixou os braços. Mas confessa o cepticismo. “A experiência diz-me que as cartas levarão anos a serem cumpridas, se o forem. Ainda recentemente, no tribunal de Gaia um juiz teve que decidir que se devolvesse uma carta para inquirir uma testemunha em Angola, uma vez que já tinham passado quatro anos da expedição da mesma”, explica. Teme que a justiça morra solteira e que se perpetue o sabor amargo das heranças.

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