Hepatites virais, um diagnóstico fácil e necessário

A necessidade de uma precoce referenciação dos doentes com hepatites víricas a consultas especializadas de gastrenterologia por parte dos médicos de medicina geral e familiar afigura-se muito importante.

As hepatites virais são doenças comuns na população mundial, originadas pela penetração no organismo humano de vírus que apesar de terem características e agressividades diferentes, têm em comum o facto de provocarem inflamação do fígado. Em alguns casos, como mais frequentemente acontece nas hepatites B e C, se essa inflamação não for controlada ou o vírus eliminado, desencadear-se-á uma deterioração progressiva das funções hepáticas originada por uma destruição irreversível das suas células, que em alguns casos só é possível de resolver com um transplante hepático.

Vários vírus podem provocar hepatites, de entre os quais se destacam o vírus da hepatite B e da hepatite C. Estes são mais focados do que os vírus da hepatite A, D ou E, que são menos agressivos e/ou menos frequentes, o primeiro e o último habitualmente provocando infecções autolimitadas e o segundo surgindo sempre associado à infecção pelo vírus B (e principalmente em grupos de risco bem identificados). No referente à hepatite A, a melhoria das condições higieno-sanitárias decresceu o seu impacto e reduziu a sua incidência comparativamente com a realidade do passado. Portanto, hoje em dia, devido à sua gravidade, as atenções estão mais voltadas para as hepatites B e C.

Para a hepatite B possuímos hoje uma vacina integrada no Programa Nacional de Vacinação, muito eficaz, que tem permitido baixar a sua incidência. Estima-se que esta infecção possa afectar cerca de 1% da população. A imigração africana e dos países do leste europeu poderão fazer subir a prevalência. Em cerca de 20% dos casos pode evoluir para a cronicidade, com uma elevada taxa de transmissão por via sexual, mas também através do sangue e dos seus derivados, além da transmissão vertical (de mãe para filho quando do parto). Na maior parte dos casos a infecção cronica é assintomática. Esta é apenas detectável por simples análises sanguíneas. Também cerca de 22% dos cancros hepáticos a nível europeu estão associados à existência de infecção pelo vírus da hepatite B. Torna-se importante a adequação dos cuidados necessários nos doentes infectados (ausência de partilha de instrumentos traumáticos ou que possam ter contacto com sangue, utilização sistemática de preservativo quando de relação sexual com parceiros não vacinados, vacinação do agregado familiar). Os tratamentos disponíveis nas consultas de gastrenterologia e hepatologia, administrados por via oral, com pouquíssimos efeitos colaterais, ainda que raramente proporcionem a cura definitiva, permitem um controlo da inflamação com consequente diminuição do risco de evolução para cirrose ou para cancro do fígado.

No respeitante à hepatite por vírus C, a situação é substancialmente diferente. Existem hoje tratamentos muito eficazes que levam a que as taxas de cura definitiva sejam superiores a 95%, isentos de significativos efeitos colaterais. A hepatite C poderá infectar cerca de 1,0% da população portuguesa, em muito maior escala nos consumidores de drogas, onde infecta mais de 80%. Sabe-se que o sangue infectado é a principal via de transmissão, sendo rara a transmissão por via sexual ou da mãe para o bebe. Mas num numero importante de cidadãos infectados com este vírus não é possível identificar a causa da transmissão, pelo que tendo em consideração que a infecção decorre na maior parte das vezes de forma silenciosa, a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia vem sugerindo que pelo menos uma vez na vida o cidadão faça um rastreio desta hepatite, através de uma simples analise sanguínea. Estima-se que o número de mortes relacionados com a infecção pelo vírus da hepatite C em Portugal será de cerca da 1000/ano, uma vez que a infecção não tratada pode desencadear complicações graves como cirrose hepática em 30-40% dos casos ou cancro do fígado.

Duas referências para o facto do diagnóstico das hepatites víricas ser fácil de fazer, recorrendo-se apenas a simples análises sanguíneas e também para a necessidade dos doentes considerados curados após tratamento, no caso de terem tido infecções ao longo de anos ou diagnóstico de cirrose associada, deverem manter consultas regulares pois algumas alterações que se geraram no fígado podem permanecer e em alguns casos desencadear complicações.

A necessidade de uma precoce referenciação dos doentes com hepatites víricas a consultas especializadas de gastrenterologia por parte dos médicos de medicina geral e familiar afigura-se muito importante, para que atempadamente se possa fazer a avaliação necessária e iniciar o tratamento indicado, de forma a evitar danos no fígado (por vezes irreversíveis) e manter a qualidade de vida dos doentes.

Gastrenterologista e Hepatologista, Presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

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