Grancho quadruplicou valor da prova para adquirir nacionalidade portuguesa

Despacho assinado três dias antes de secretário de Estado se demitir vai levar BE a questionar Governo. Reduzir fraudes é um dos motivos do aumento de 15 para 65 euros.

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“A uma pessoa desempregada que já perdeu o direito ao subsídio pouco mais resta do que pedir a nacionalidade”, exemplifica o PCP Nelson Garrido

Passou de 15 para 65 euros o custo da prova de língua portuguesa exigida aos estrangeiros para obterem a nacionalidade. O aumento de preço consta de um despacho assinado pelo secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, João Grancho, escassos três dias antes de se demitir, por suspeitas de plágio, e é justificado com os custos da criação de um sistema menos permeável às fraudes.

A medida está, porém, a causar indignação. Enquanto o Bloco de Esquerda vai avançar com uma pergunta ao Governo sobre a matéria, o presidente da Associação Solidariedade Imigrante, Timóteo Macedo, compara as exigências “feitas à gente pobre” ao “tratamento VIP dado aos detentores de vistos gold”, para concluir que “os imigrantes são explorados pelo Estado para poderem estar em Portugal”.

“É uma medida muito gravosa para a integração das comunidades migrantes”, critica também o deputado socialista Pedro Delgado Alves. Na comissão política do PCP, Rui Fernandes fala numa tentativa de “empurrar muita gente para fora do país”.

A realização das provas de língua portuguesa nas escolas portuguesas e consulados e para efeitos de aquisição de nacionalidade esteve suspensa três anos por causa das fraudes. Foram detectadas falsificações de identidade: no lugar dos candidatos iam fazer as provas pessoas mais fluentes. Durante esse período parte dos que precisaram de provar o seu conhecimento da língua para se naturalizarem tiveram de recorrer às universidades, cujos testes custam cerca de 70 euros. A alternativa passava por apresentarem certificados de habilitações com aproveitamento à disciplina de Português em pelo menos dois anos lectivos.

O regresso destes testes às escolas faz-se agora com novas regras: além de integrar compreensão da leitura, expressão escrita e prova oral, inclui a possibilidade de recurso a que a anterior legislação não fazia referência. Também paga, de resto: se o candidato quiser consultar a prova que fez terá de desembolsar 20 euros, a que se juntam mais 25 pelo pedido de reapreciação. Este último valor ser-lhe-á restituído caso o chumbo venha a ser revogado.

Também deixou de ser possível realizar os exames nos consulados. Em território estrangeiro essa competência passou para locais acreditados pelo Instituto Camões, ao qual cabe a certificação do processo.

Questionado pelo PÚBLICO sobre as razões da mais do que quadruplicação do preço de inscrição no teste, o Ministério da Educação invoca duas ordens de razões: a taxa não era actualizada há oito anos e, por outro lado, foi necessário “implementar procedimentos logísticos mais complexos e sofisticados, de forma a incrementar a segurança das provas”.

“É uma forma de enxotar as pessoas de Portugal”, escandaliza-se a bloquista Cecília Honório, acrescentando que os 65 euros são “uma pequena fortuna para muitas pessoas”. A deputada apelida a medida de hipócrita, por “contrariar um discurso político de bom acolhimento dos imigrantes”.

“A uma pessoa desempregada que já perdeu o direito ao subsídio de desemprego pouco mais resta para poder continuar em Portugal do que pedir a nacionalidade”, exemplifica o comunista Rui Fernandes, explicando que ninguém pode invocar a sua condição de pobreza para se eximir a este pagamento. “Ignora-se que a situação social é hoje mais grave do que há oito anos”, observa.

Pedro Delgado Alves fala nos “grandes custos para a cidadania” da medida, que entende que deve ser revista, e não aceita as justificações do Ministério da Educação. Comprovar a identidade de pessoas que já estão legalmente no país não poderá ser assim tão caro ao ponto de implicar a quadruplicação do preço do exame, observa.

O dirigente da Associação Solidariedade Imigrante recorda que já ascendem a várias centenas de euros os custos da burocracia relacionada com a naturalização – “Pode chegar aos 800” –, e lamenta que se penalize “gente com poucas habilitações” e de quem Portugal, afinal, precisa para trabalhar e fazer crescer a natalidade.

Embora menos crítica, a associação católica de apoio aos imigrantes Amigrante, sediada em Leiria e vocacionada para o ensino do português por voluntários, também não se mostra agradada com a alteração à lei. “Deviam ter fixado um valor intermédio entre os 15 e os 65 euros”, equaciona o seu presidente, Paulo Carreira. Para quem morava em Leiria e em muitos outros pontos do país, a suspensão dos testes nas escolas ficou, porém, bem mais onerosa, faz notar: às sete dezenas de euros do valor cobrado pelas universidades juntava-se o custo dos transportes para chegar até cidades como Lisboa. E nem todas as instituições de ensino superior têm este exame.

O PÚBLICO questionou também o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural  sobre a quadruplicação do preço da prova de Português, mas este organismo não forneceu qualquer resposta.

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